Golpe fracassa, Prudente assume a Câmara e o resto é História

Liberal e republicano, político ituano teve contestada a sua eleição para dirigir o Legislativo em 1865, em meio a disputa com conservadores.


Em 31 de agosto de 1865, um documento é encaminhado à Mesa Diretora do Legislativo da então ‘Vila Constituição’. As palavras são curtas e grossas: “A Câmara Municipal da cidade da Constituição, desta Província, acusa o recebimento do oficio datado de 28 de julho do corrente ano, incluindo uma representação dirigida a essa Presidência por Inocêncio de Paula Eduardo, contra a validade da eleição do Doutor Prudente José de Moraes Barros para vereador e presidente desta Câmara [...]”.

Nascido em Itu – cidade da qual ‘Constituição’ havia sido distrito –, Prudente de Moraes era um proeminente político naquele momento. Liberal e republicano, fixou residência na então Piracicaba em 1863, mesmo ano em que se graduou na Faculdade de Direito de São Paulo. Os vínculos com a cidade se dava por conta de seu irmão Manoel de Moraes Barros e pelo fato que sua mãe havia comprado um terreno na rua Santo Antônio, onde atualmente é o museu que leva seu nome e preserva sua biografia.

Eleito vereador, a eloquência e visão política permitiram que, ao lado dos seus pares na Câmara, também fosse alçado a presidente do colegiado. Mas em contraponto ao vigor da sua força política, teve estas conquistas contestadas.

O adversário de Prudente era o vereador Inocêncio de Paula Eduardo, como está descrito no ofício encaminhado à Presidência da Câmara. Ele é quem acusa que “faltava um período de 30 dias” para o político ituano cumprir a regra eleitoral de ter ao menos dois anos de residência na cidade para ser habilitado como candidato. Cita artigos e uma linha do tempo histórica acerca das passagens do acusado por Piracicaba na juventude, “mas que não fora suficiente para atestar-lhe moradia”, argumentou.

É importante pontuar que, naquela época, para se candidatar a vereador, além de ser branco e pertencer a elite, o postulante deveria exercer o voto em eleições naquele local.

Inocêncio não está sozinho. Também em ofício, outros parlamentares argumentam que entregaram “um total de três documentos” que comprovariam a veracidade da acusação contra Prudente: “[...] que além de firmada com sua autoridade vai comprovada com os três documentos que oferece a consideração de Vossa Excelência, oferecendo esses três documentos [...], visto que esses documentos comprovam perfeitamente a confissão feita pelo presidente desta Câmara [...]”

“Não conseguimos identificar quais seriam estes documentos”, observa Gabriel Tenório, estagiário de História do Setor de Gestão de Documentação e Arquivo da Câmara e responsável pela pesquisa da série Achados do Arquivo desta semana.

“Quando lemos o documento que trata desse acontecido, compreendemos que mais pessoas estão na sessão, algumas defendem a tese de Inocêncio, contrário a vitória de Prudente, e o restante estavam a favor de Moraes”, acrescenta Tenório.

O ofício detalha o argumento de Inocêncio:

“O Doutor Prudente, quando foi eleito vereador – é verdade que era votante desta Paróquia – mas irregularmente qualificado por não ter os 30 dias de residência anteriores a qualificação e por isso sua eleição é nula! [...]. ” (em transcrição livre)

Em defesa de Prudente, um grupo de vereadores cita uma série de datas como sua chegada em Piracicaba após se formar em Direito (com detalhe do dia, dia da semana, mês e ano) e insinuam cisma de Inocêncio e demais vereadores contra Prudente:

“[...] se vê que a junta de qualificação de 1864 foi composta pela maioria conservadora, na qual faz parte o próprio Inocêncio de Paula Eduardo, que hoje pretende que o Dr. Prudente foi irregularmente qualificado como votante! Para quem conhece de perto o exagerado espírito político que preside as qualificações de votantes desta Paróquia, quando os conservadores se acham em maioria na junta, é incrível que um liberal como Dr. Prudente, que a ninguém ocultou suas ideias políticas desde estudante, fosse qualificado votante sem ter todos os requisitos legais! Se o Dr. Prudente não tinha 30 dias de residência, por que o qualificaram?! Portanto está provado que o Dr. Prudente estava qualificado votante desta paróquia e regularmente qualificado quando foi eleito vereador e presidente desta Câmara” (em transcrição livre)

O banho de água fria sobre quem queria cassar o mandato de Prudente veio em seguida, no trecho em que fica explícito o espírito rancoroso do reclamante:

“[...] está provado que o reclamante, Inocêncio, foi excluído da Câmara porque quando foi eleito vereador não estava qualificado votante desta paróquia, [...]” [em transcrição livre]

“Imaginem essa sessão? Estavam diversos vereadores e o próprio Inocêncio, o reclamante da vitória de Prudente. O que ele não imaginava, é que seria envenenado com seu próprio veneno, visto que a pessoa que dissertava sobre as acusações tinha argumentos da mais viável veracidade política e fizeram uso dos mesmos para apaziguar os ânimos de Inocêncio e torna-lo perdedor na batalha política”, analisa o estagiário de História, Gabriel Tenório.

O caldo dos golpistas esquenta – e entorna de vez – no finalzinho da sessão, quando Inocêncio definitivamente cai do cavalo e suas intenções são desmascaradas:

“O único e verdadeiro motivo pelo qual o reclamante deseja ver o Dr. Prudente excluído do nosso número de vereadores desta Câmara é que o Dr. Prudente é um liberal, e ter sido eleito presidente da Câmara nesta terra, onde por muitos e longos anos, os conservadores, como o reclamante, foram como proprietários exclusivos de todos os cargos de eleição popular e de nomeação do governo.” (em transcrição livre)

A tentativa de golpe contra Prudente, no fundo, mascarava uma disputa entre liberais e conservadores, quando os primeiros traziam à então Vila Constituição novos ares da política republicana que invadia o País durante o período da Regência.

Ricardo Pinto de Almeida, vice-presidente da Câmara da época, foi quem sintetizou essa conjuntura no ofício encaminhado como resposta ao Governo da Província de São Paulo:

“Esse é o verdadeiro motivo: é a posse mansa e pacifica que foi perturbada pelos liberais na eleição de 1864. Esta Câmara julga ter cumprido fielmente a ordem do antecessor de Vossa Excelência, e confiando plenamente em Vossa Excelência, esperamos que dará uma decisão indeferindo a pretensão de Inocêncio de Paula Eduardo, e sustentando a validade da eleição do Dr. Prudente, por ser de direito e de justiça! (em transcrição livre)

No mesmo ofício, Pinto de Almeida indica também que os “tempos haviam mudado”:

“Felizmente não estamos mais no tempo em que uma qualquer pretensão do reclamante Inocêncio seria necessariamente atendida, ainda que para isso fosse preciso saltar por cima das leis e ofender os direitos do cidadão, hoje felizmente domina a lei, e os direitos são respeitados.” [em transcrição livre]

No oficio seguinte, registrado na Câmara, após ser citado, Prudente assina como presidente. Começava ali a trajetória política do primeiro presidente civil da República Brasileira. A resistência contra o golpe era prova de que a argumentação sob o espírito das leis poderia principiar novos tempos e destronaria o que era apenas falsa moral.

ACHADOS DO ARQUIVO - A série "Achados do Arquivo" é uma parceria entre o Setor de Gestão de Documentação e Arquivo, ligado ao Departamento Administrativo, e o Departamento de Comunicação Social da Câmara Municipal de Piracicaba, para realizar publicações semanais no site da Câmara, às sextas-feiras, como forma de tornar acessível ao público as informações do acervo do Legislativo.

Texto: Erich Vallim Vicente

Supervisão: Rebeca Paroli Makhoul 


               Júnior Sá.

Colunista e Historiador.

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