Estados-Pêndulo: Os Fios da Navalha na
eleição norte-americana
Ronaldo Castilho
Os estados-pêndulo,
conhecidos como "swing states" em inglês, são aqueles onde a
preferência dos eleitores oscila entre os dois principais partidos americanos —
o Democrata e o Republicano — sem uma vantagem histórica clara. Nesses estados,
o apoio aos candidatos é intensamente disputado, com alternância frequente
entre vitórias democratas e republicanas a cada eleição. Este ano, Kamala
Harris (Democrata) e Donald Trump (Republicano) concentraram o encerramento de
suas campanhas nessas regiões, buscando o apoio do eleitorado americano, já que
estão praticamente empatados na corrida para a Casa Branca.
O processo eleitoral
americano é único e distinto da maioria dos sistemas democráticos, pois utiliza
o Colégio Eleitoral em vez de uma eleição direta. Esse colégio é composto por
538 delegados, distribuídos proporcionalmente entre os estados com base no número
de representantes na Câmara dos Deputados e no Senado. Para vencer, um
candidato precisa de pelo menos 270 votos eleitorais (a maioria simples de
538). Em quase todos os estados (com exceção de Maine e Nebraska), o candidato
que recebe a maioria dos votos populares ganha todos os votos do Colégio
Eleitoral daquele estado, no chamado sistema “winner-takes-all” (o vencedor
leva tudo). Esse sistema visa garantir que estados menores tenham representação
significativa, incentivando candidatos a fazer campanha em várias regiões do
país, e não apenas em áreas de alta densidade populacional.
No entanto, o sistema do
Colégio Eleitoral também permite que um candidato possa vencer a presidência
sem obter a maioria do voto popular, como já ocorreu em eleições recentes. Isso
levanta questionamentos sobre a representatividade democrática nos Estados
Unidos, já que a maior parte do poder decisório fica nas mãos de alguns
estados-chave, enquanto outros, com tendências eleitorais mais previsíveis,
recebem pouca atenção durante as campanhas.
Historicamente,
estados-pêndulo como Flórida, Pensilvânia, Ohio, Wisconsin e Michigan têm uma
influência decisiva, com margens de vitória que muitas vezes se resumem a
poucos votos. Em 2000, por exemplo, a disputa entre George W. Bush e Al Gore
foi decidida por apenas 537 votos na Flórida. Em 2016, Donald Trump venceu
Hillary Clinton ao conquistar estrategicamente estados-pêndulo como Michigan e
Wisconsin, assegurando os votos do Colégio Eleitoral apesar de perder no voto
popular.
Essa dinâmica cria uma
situação peculiar: enquanto os candidatos focam em convencer eleitores
indecisos em estados-pêndulo, outros estados, com tendências eleitorais
consistentes, são ignorados. Califórnia e Nova York, por exemplo, votam
predominantemente no Partido Democrata, enquanto Texas e Alabama favorecem o
Partido Republicano. Eleitores em estados previsíveis, sabendo de antemão que
seu voto provavelmente não alterará o resultado final, podem se sentir
desmotivados a participar, o que pode reduzir a taxa de comparecimento às
urnas.
Os estados-pêndulo também
incentivam candidatos a adaptarem suas plataformas para agradar especificamente
esses grupos indecisos, o que pode resultar em promessas e políticas voltadas
para essas regiões em detrimento dos interesses do eleitorado em geral.
Questões como produção industrial e setor automobilístico, por exemplo, recebem
destaque em Michigan e Ohio, enquanto assuntos como meio ambiente, essenciais
para estados costeiros, acabam com menos atenção.
Embora os estados-pêndulo
representem uma diversidade de problemas regionais e visões políticas, eles
acabam deixando uma grande parcela do eleitorado nacional fora do centro do
debate. Esse modelo levanta questões importantes sobre o ideal de representatividade
democrática, ao concentrar o poder decisório em uma pequena fração de eleitores
que oscilam entre os partidos. Muitos argumentam que o sistema de Colégio
Eleitoral precisa ser repensado para melhor equilibrar as vozes de todos os
eleitores americanos.
O processo eleitoral
americano, especialmente o uso do Colégio Eleitoral, gera opiniões mistas entre
pensadores, cientistas políticos, historiadores e estudiosos de direito
constitucional. James Madison e outros fundadores dos EUA acreditavam que o
sistema ajudaria a evitar o “perigo da tirania da maioria”, onde as grandes
populações urbanas poderiam monopolizar a política, deixando as regiões rurais
sem representação. Lawrence Lessig, professor de direito em Harvard, também
critica o Colégio Eleitoral, afirmando que ele amplia a influência de
estados-pêndulo, onde o voto de cada cidadão pesa mais do que em estados que
votam consistentemente em um dos dois principais partidos. Ele acredita que
isso distorce as campanhas presidenciais, que se concentram em um pequeno grupo
de estados em vez de em todo o país. O foco excessivo em estados-pêndulo, como
Flórida, Pensilvânia e Ohio, é outra crítica comum. Alexander Keyssar,
historiador e autor de "Why Do We Still Have the Electoral College?"
(Por que ainda temos o Colégio Eleitoral?), aponta que esse sistema deixa
muitos eleitores ignorados nas eleições presidenciais. Ele sugere que a
campanha se torna desproporcionalmente voltada para questões regionais dos
estados-pêndulo, deixando problemas de outros estados em segundo plano. Pensadores
como Fareed Zakaria argumentam que o Colégio Eleitoral incentiva o
bipartidarismo, obrigando candidatos a construírem uma coalizão de apoio em
várias regiões. Ele sugere que um sistema de voto popular direto poderia
fragmentar ainda mais o cenário político, dando espaço para candidatos de
partidos menores e, eventualmente, enfraquecendo a governabilidade.
O sistema eleitoral
americano se encontra, portanto, em uma encruzilhada. Enquanto os
estados-pêndulo continuam a ser a linha de frente das eleições, mantendo o
poder de decisão sobre o futuro do país, cresce a pressão por uma reforma
democrática que possa tornar a representatividade mais justa. É preciso
refletir: até quando o destino dos Estados Unidos ficará nas mãos do balanço
incerto desses estados?
Ronaldo Castilho é jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política