Por Adriana Passari - @adrianapassari


História sem fim

 

Era uma criança muito, muito linda e muito, muito tímida. Ninguém sabia se ela era assim de nascimento ou se era a criação. Acontece que o pai da menina era um homem muito rigoroso e não dava espaço pra contestação. Na casa dele todos seguiam as suas regras. Ele tinha a primeira e a última palavra. A voz da pequenina era pouco percebida naquela casa. Na escola era muito elogiada pelos professores, tinha ótimas notas, trazia sempre a lição de casa perfeita. Um orgulho para seus pais. Amizades mesmo, eram poucas. Participava das atividades em grupo sem nunca chamar muito a atenção. Cresceu cercada de cuidados maternos esmerados. A roupa sempre limpa e arrumada. Os cabelos alinhados. Quando veio a adolescência, ensaiou alguns poucos atos de rebeldia, normais para a idade, mas a severidade do pai soube controlar muito bem. Manteve o bom rendimento escolar, concluiu seus estudos sem grandes ocorrências e sua reputação sobreviveu imaculada.


Na universidade conheceu seu primeiro e único namorado, 10 anos mais velho e prestes a se formar. Terminou a graduação sendo escoltada na entrada e saída pelo parceiro com quem se casou assim que se formou. Quando perguntavam se ela era feliz, ele respondia que sim, eram felizes.

Os primeiros anos do casamento passaram tranquilos. Todos esperavam a chegada de um herdeiro que demorava a surgir. O marido passou a chegar mais tarde em casa sem que lhe fossem exigidas explicações. Ela vivia uma vida morna, porém não vazia. Debruçava-se sobre os livros e lá experimentava todas as aventuras e paixões. Até que um dia, o marido chegou em casa totalmente alcoolizado. Ela, chorando, a cortar cebolas. Ele gritava que a culpa era dela. E aí, o inesperado aconteceu. Ela enxugou as lágrimas na manga da camisa que vestia sem soltar a faca afiada que usava na lida da cozinha. Segurou a arma com firmeza e partiu pra cima do folgado. Este é o primeiro fim da história. Mas ela continua. Calma, leitor, ela não o matou, não via motivo e não tinha coragem. Mas ao esboçar a primeira reação de toda sua vida, deu um susto tão grande no sujeito, que o infeliz já alterado pelo efeito da bebida, perdeu o equilíbrio e caiu para trás, de bunda no chão, não sem antes esbarrar na faca que lhe causou um risco superficial, mas longo, num dos braços, de onde saiu um pequeno filete de sangue.

Agora, eu encerro a história e você segue pensando, como ela deve continuar?

Ouça a história na voz de Adriana Passari:




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