Por Adriana Passari - @adrianapassari

 

Noite de terror

As quatro amigas eram grudadas desde os tempos da educação infantil até o ensino médio quando cada uma seguiu um caminho diferente para os estudos na faculdade. Duas delas escolheram a área da comunicação mas em cursos, universidades e cidades diferentes. Uma delas escolheu a área biológica, surpreendendo às demais que não imaginavam que ela tinha essa vocação. E a última foi para a área de exatas, tudo a ver com ela, fria e calculista como sempre.

Quer dizer, o “fria” era só parte da brincadeira entre elas mesmo, porque o relacionamento era de muito carinho. Elas viviam juntas. Durante o crescimento, aprenderam a respeitar suas diferenças e principalmente a valorizar as suas semelhanças. Gostavam de muitas coisas em comum. As vezes até do mesmo garoto. Mas nunca permitiram que isso interferisse em sua longa história de amizade. Para diminuir o distanciamento natural nos primeiros anos da faculdade, certa vez combinaram um final de semana só pra elas, no sítio da família de uma delas.

O sítio ficava numa cidadezinha vizinha de suas casas e era pouco frequentado nos últimos tempos, mas tinha uma casa com boa estrutura para recebê-las com tranquilidade. Fizeram todos os planos. A dona do sítio foi pra lá antes, de busão, carregando as compras numa sacola pesada e a mochila nas costas. As outras foram mais tarde. Pegaram um ônibus na rodoviária com a orientação de pedir para o motorista parar na beira da estrada, na segunda curva depois do quilômetro 80, perto da árvore de “pedra”, que era uma árvore ressecada pelo tempo ali na beira da estrada, que era conhecida de todos na região.

E assim foram. Desembarcaram no meio do nada, com suas mochilas e animação. Sem mais orientações, esperaram. Em poucos minutos a amiga surgiu caminhando por uma estradinha de terra pedindo desculpas pela demora. Todas se abraçaram e seguiram para a sua pequena aventura. Caminharam juntas por cerca de 20 minutos ou mais e chegaram à propriedade. Abriram o portão de madeira e entraram, todas muito animadas. Passaram o dia atualizando todas as conversas que estavam atrasadas nesse quase um ano afastadas. Juntas planejaram o jantar, mas antes decidiram visitar o centrinho da pequena cidade rural. Se arrumaram e saíram, novamente caminhando, ao pôr do sol, cerca de 30 minutos e chegaram à pracinha. Entraram num misto de bar/lanchonete/restaurante/vendinha e tomaram refrigerante. Deram uma volta na praça chamando a atenção de grupos de moradores.

Mas nem deram bola. Pegaram o caminho de volta, desta vez na escuridão da noite. Ali começou a aflição. As conversas animadas deram lugar a um silêncio cauteloso. No meio do caminho perceberam uma movimentação estranha vindo lá de trás. O barulho foi aumentando e uma luz fraca bruxuleante surgia. Ouviram vozes. Pensaram em correr, mas a escuridão não permitia. Não disseram isso em voz alta, mas todas rezaram para os seus santos de proteção. Uma delas até chorou baixinho na certeza de algo ruim. Era um trator, com dois rapazes que elas reconheceram lá da pracinha. Congelaram por dentro.


@ericosanjuan

O veículo e os rapazes passaram por elas sem incidentes. Após o distanciamento riram de nervoso. Logo depois chegaram de volta ao sítio onde iriam pernoitar. Entraram e colocaram o cadeado no portão de madeira. Entraram na casa e passaram a chave na porta. Estavam seguras novamente. Reuniram-se na cozinha para fazer o jantar e se distraíram novamente, rindo da situação. Mas a noite ainda prometia surpresas. Enquanto lavava a louça do jantar, de frente com a pia, pela janela de vidro, uma delas viu um par de olhos por cima do muro e gritou assustando o grupo. Foi uma gritaria geral. Medo. Choro. Elas tinham certeza que estavam sendo observadas e seriam atacadas a qualquer momento. Não havia telefone no local e a humanidade ainda não havia inventado o celular. Ficaram ali encolhidas no chão da cozinha, embaixo da mesa enfrentando o pânico. Até que a mais velha entre elas, sentindo-se responsável pelas demais tomou uma atitude. Levantou-se e gritou para o par de olhos com a toda energia que conseguiu dizendo: vai embora!! E não é que o par de olhos obedeceu? A pobre coruja que estava tranquila da vida, pousada no muro, deu um assovio sem graça e partiu voando.


Ouça a história na voz de Adriana Passari:

 

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