Por Adriana Passari - @adrianapassari
Correio deselegante
A família toda adorava a época das festas juninas. Todos os anos frequentavam algumas das mais tradicionais da cidade. Tinha aquela beneficente, organizada pela prefeitura, que contava com a participação de todas as entidades assistenciais do município. Cada uma cuidava da sua barraca e oferecia à população quitutes tradicionais juninos, brincadeiras à moda antiga, prendas divertidas que eram disputadas por meio de jogos e sorteios de rifas. A música parecia sempre a mesma, uma distribuição de notas executadas principalmente por sanfonas que animava a toda gente. Na hora das apresentações das quadrilhas vinha o locutor anunciando: a ponte caiu… já consertou… O pai custeava as comilanças e diversão de todos. Comprava as fichas que eram de papel com picote para ir destacando e distribuindo conforme os pedidos. - Quero lanche de linguiça. Tome aqui sua ficha. - Quero maçã do amor. Toma mais uma. E assim seguia a festança, com a criançada voltando sempre pra buscar as fichas e manter os pais tranquilizados de que tudo ia bem. Era uma turma de sorte. Não só pela harmonia da família, mas pelos prêmios que ganhavam nas rifas. Certa vez levaram para casa três bonecas Susi, daquela original.
Cada uma conquistada em um sorteio diferente. Parecia marmelada. Até mesmo enfrentaram olhares e comentários maliciosos daqueles que também apostaram e nada levaram. Mas era só sorte mesmo. Optaram por ignorar os invejosos e continuar aproveitando a festa. Uma das atrações mais concorridas da festa era o correio elegante. Eram preparados cartões enfeitados de corações e flores para enviar declarações de amor anônimas ou conhecidas e até algumas piadinhas entre amigos.
@edugrosso59
Porém, naquele ano, o que deveria unir, acabou desunindo. A filha mais velha do casal, tinha um admirador secreto. Nem tão secreto assim. Já fazia um tempo que trocavam olhares nas ocasiões em que se encontravam. Sempre em grupos diferentes. Na escola ou na missa. Às vezes de passagem pela sorveteria da praça. Naquele dia de festa junina, Hércules resolveu avançar na tentativa de aproximação. Escolheu o mais bonito cartão e abriu seu coração. Escreveu algumas palavras, pagou a taxa de entrega e seguiu de longe para ver a reação da sua amada ao receber. E foi aí que teve a maior frustração da sua vida. A garota recebeu o correio elegante toda animada, porém ao ler fez careta. Cara de quem não gostou nem um pouco, amassou o bilhete e enfiou no bolso. Hércules ficou muito triste. Não entendeu nada! Ela parecia ter sentimentos por ele. Não esperava aquela humilhação. Mas como o que não mata, fortalece, ele seguiu sua vida e nunca mais quis saber da garota. O que ele não sabe e nunca saberá, a não ser que leia esta história, é que o seu recadinho amoroso, apesar de encantador, continha dois graves erros de português, o que para ela eram o maior defeito em qualquer pretendente.
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