Por Adriana Passari - @adrianapassari
Tudo e nada
Teimosa como ela só. Já dizia sua mãe. Todos ao redor concordavam. Quer mudar minha opinião? Me convença. Dizia ela. E de fato, alguma vez, quando ouvia bons argumentos, ela se permitia mudar. Não se trata de teimosia, mas de convicção, defendia ela quando se sentia afrontada por sua personalidade forte. Era uma otimista inveterada. Tinha fé na vida e no universo. Escolhia espalhar boas energias e colhia os resultados no seu dia a dia. Tinha problemas, como todos, mas os via com seu olhar de Poliana. Dava a eles apenas a importância que tinham e nada mais. Procurava enxergar o lado bom de tudo. Uma de suas manias, condenada pelos mais cautelosos nos dias de hoje onde a criminalidade faz parte da realidade, era andar com os vidros do carro abertos, sentindo o vento balançar os cabelos. Parava nos semáforos como se morasse na Islândia, com índices de criminalidade quase abaixo de zero. Sempre que podia distribuía aos vendedores ambulantes ou pedintes, as moedas ou notas que tivesse em mãos. Preferia doar as notas de R$ 2,00 ou mais, porque acreditava que moedas pareciam míseras migalhas e pioravam a sensação de humilhação naqueles que mendigavam nas esquinas e cruzamentos onde passava. Sempre fazia questão de manter as janelas abertas e doar algo, nem que fosse um sorriso, uma conversa rápida, uma atenção. No fundo, nem tão fundo, ela sabia que existia um certo risco. Mas preferia isso, a contaminar a teoria de que o bem atrai o bem. Certo dia, um rapaz parado numa esquina lhe chamou a atenção. Claramente um morador de rua, porém ostentava uma postura distinta. Vestia roupas que nitidamente já viram dias melhores, mas aparentava dignidade, além de uma profundidade, talvez tristeza, no olhar. Como já era seu costume, ao se aproximar do semáforo, não tentou fechar os vidros do carro às pressas como tantos outros motoristas fazem constantemente. Manteve-os abertos e ainda olhou na direção daquele jovem senhor oferecendo um sorriso nos olhos e nos lábios. Ele vendia balas. Ela negou a compra porque, de fato, não estava carregando dinheiro. Desde a chegada do Pix ela poucas vezes o tinha em espécie. -Desculpe amigo, mas eu não tenho nada, disse, já se desculpando por não poder colaborar. O jovem, incentivado pela simpatia da motorista respondeu: a senhora tem família? -Tenho. Tem saúde? - Tenho. Teve educação? -Tive. E a conversa iria longe, mas o tempo do sinal vermelho apressou sua conclusão. Então a senhora tem tudo! Disse ele. Esse tudo que falta pra muita gente! E ainda foi completando: eu também tenho saúde, e o resto eu estou lutando.
@willian_hussar
Aquelas rápidas palavras chegaram onde nenhuma aula em um semestre inteiro de filosofia do Professor Heitor conseguiram chegar: tão fundo na sua alma, que ela nem se lembrava mais quem ela era antes daquele sinal fechar.