Tocando Agora: ...

Coluna: "Entre Aspas" com Ronaldo Castilho

Publicada em: 05/05/2025 12:08 - Colunas

Igreja Católica se prepara para a escolha do novo Papa

 

Ronaldo Castilho

 

No dia 7 de maio de 2025, a Igreja Católica vivenciará mais uma etapa histórica com o início do conclave para eleger o sucessor do Papa Francisco. "Extra Omnes" – expressão latina que significa "todos para fora" – é o comando tradicional dado no início do conclave papal, após a missa Pro Eligendo Papa, quando todos os que não fazem parte do processo de eleição (isto é, os não-cardeais eleitoresdevem deixar a Capela Sistina. A partir desse momento, os cardeais permanecem isolados (cum clave, "com chave"para iniciar as votações que escolherão o novo Papa. O termo "Extra Omnes" simboliza o fechamento do mundo exterior e a entrega da Igreja ao discernimento espiritual. É um gesto de solenidade e mistério, marcado por séculos de tradição. Quando essa ordem é dada – geralmente por quem preside o conclave –, as portas são fechadas e lacradas, e a Igreja entra em um momento de profunda introspecção e decisão.

Após mais de uma década de pontificado, marcado por uma abertura ao diálogo inter-religioso, defesa dos migrantes, preocupação com as mudanças climáticas e uma postura pastoral inclusiva, Francisco deixa um legado desafiador e uma Igreja dividida entre forças conservadoras e progressistas. O novo conclave, portanto, não é apenas um evento ritualístico; trata-se de um ponto de inflexão entre duas visões antagônicas do futuro do catolicismo.

Segundo dados do Anuário Pontifício de 2024, a Igreja Católica conta atualmente com aproximadamente 1,36 bilhão de fiéis no mundo, o que representa cerca de 17% da população global. No entanto, a distribuição desses fiéis é desigual. A Europa, berço do catolicismo romano, apresenta queda contínua no número de praticantes, enquanto a África e a Ásia mostram crescimento acelerado. Estima-se que até 2050, a África ultrapassará a América Latina em número de católicos, um fator que pode influenciar fortemente a escolha do novo papa. O colégio de cardeais reflete essa realidade: dos 137 cardeais eleitores atuais, 36 são da Europa, 22 da América Latina, 21 da África e 20 da Ásia, revelando uma Igreja cada vez mais multicultural e globalizada.

Historicamente, os papados têm alternado entre tendências conservadoras e progressistas, refletindo os dilemas de seu tempo. O século XX ilustra bem esse movimento pendular. João XXIII (1958-1963ficou marcado por sua ousadia em convocar o Concílio Vaticano II, abrindo caminho para a modernização da Igreja. Seu sucessor, Paulo VI, continuou algumas reformas, mas foi mais contido diante das pressões internas e externas. Em contraste, João Paulo II (1978-2005), polonês e profundamente marcado pela Guerra Fria, adotou uma postura fortemente conservadora em temas como moral sexual, papel da mulher e autoridade eclesial, ainda que progressista em questões sociais e políticas globais, como a crítica ao capitalismo selvagem.

Outro dado relevante é o crescente número de renúncias ao sacerdócio. Um levantamento divulgado pela Congregação para o Clero indicou que, entre 2010 e 2020, mais de 17 mil padres deixaram o ministério. Embora os motivos variem – de crises vocacionais a escândalos sexuais e discordâncias doutrinárias – muitos apontam para um descompasso entre as exigências do celibato e a vida moderna. Isso pressiona a Igreja a repensar certas normas canônicas, como o celibato obrigatório e o papel das mulheres, temas que dividem profundamente conservadores e progressistas e que estarão, ainda que indiretamente, em pauta neste conclave.

Já Bento XVI, intelectual alemão, reforçou a doutrina tradicionalista, promovendo uma revalorização da liturgia pré-conciliar e uma teologia mais rígida, especialmente em relação à moralidade. Seu gesto inédito de renúncia, em 2013, abriu caminho para a eleição de Francisco, o primeiro papa latino-americano e jesuíta, que buscou um perfil pastoral mais acolhedor, descentralizador e sinodal. Sua aproximação com os pobres, os povos indígenas e suas propostas de escuta e inclusão – ainda que sem grandes reformas dogmáticas – o tornaram alvo de críticas por parte de alas conservadoras que o consideram relativista e teologicamente frouxo.

A crise de credibilidade da Igreja também se evidencia em estatísticas preocupantes. Um estudo do Pew Research Center mostra que, nos Estados Unidos, apenas 31% dos católicos frequentam a missa semanalmente, número que já foi superior a 70% nos anos 1960. Em países europeus como a França e a Alemanha, menos de 10% dos católicos se consideram "praticantes ativos". Isso aponta para uma crescente secularização e para a necessidade de uma abordagem pastoral mais engajada, que recupere a confiança e a relevância da fé cristã no cotidiano das pessoas. Papa Francisco tentou enfrentar essa tendência, mas seu sucessor herdará uma missão ainda mais desafiadora.

Esse embate ideológico não se limita aos cardeais no Vaticano. Pensadores católicos também expressam essa polarização. O teólogo suíço Hans Küng, falecido em 2021, foi um dos maiores críticos do conservadorismo romano, defendendo uma Igreja mais democrática, aberta à ordenação de mulheres e ao casamento de padres. Leonardo Boff, brasileiro e expoente da Teologia da Libertação, elogia a abertura pastoral de Francisco, embora critique a lentidão em promover mudanças estruturais. Do lado conservador, nomes como o cardeal Robert Sarah, ex-prefeito da Congregação para o Culto Divino, pregam um retorno à reverência litúrgica e à moral tradicional, advertindo contra o que consideram uma “protestantização” da Igreja.

Por fim, a questão dos abusos sexuais cometidos por membros do clero segue como uma das maiores feridas da instituição. De acordo com relatório divulgado em 2023 pela Comissão Independente sobre Abusos na Igreja (França), mais de 330 mil crianças foram vítimas de abuso por padres ou religiosos no país desde 1950. Casos semelhantes surgiram na Alemanha, Irlanda, Estados Unidos, Chile e Brasil, entre outros. Francisco estabeleceu medidas de combate, como o motu proprio Vos Estis Lux Mundi, que obriga bispos a denunciarem abusos. No entanto, muitos críticos afirmam que ainda falta transparência e punição efetiva. O novo papa será cobrado não apenas por palavras, mas por ações concretas diante desse escândalo global.

O conclave de 2025 carrega, portanto, um peso que vai além da eleição de um novo pontífice: ele definirá se a Igreja continuará no caminho de uma pastoral misericordiosa, aberta e próxima das dores do mundo, ou se retomará o rigor doutrinário como forma de reafirmação identitária diante das mudanças culturais. Ambos os caminhos têm apoio interno e refletem a diversidade (e também a fragmentaçãoda Igreja contemporânea.

A decisão dos cardeais será, inevitavelmente, política e espiritual. Ao escolherem o novo Papa, escolherão também a ênfase da Igreja diante de temas urgentes como a crise ambiental, os abusos sexuais no clero, a guerra e a desigualdade social. O mundo observa, e os fiéis esperam não apenas um chefe de Estado, mas um pastor que una sem excluir, que proteja sem retroceder e que inspire sem impor.

Independentemente do resultado, é certo que o próximo papa terá diante de si uma tarefa monumental: manter viva a fé em um mundo cada vez mais secularizado, dialogando com a modernidade sem abrir mão da identidade católica. Que o Espírito Santo sopre com sabedoria sobre a Capela Sistina. A Igreja precisa, mais do que nunca, de um líder que compreenda os sinais dos tempos.

Ronaldo Castilho é jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política com MBA em Gestão Pública com Ênfase em Cidade Inteligente

Compartilhe:
COMENTÁRIOS
Comentário enviado com sucesso!
Carregando...