Cecílio,
na Melhor Idade
Recebeu-me naquela mesma mesa branca de ferro fundido, na
varanda da casa rodeada de flores e de plantas. O lugar remete à paz e à
tranquilidade, qualidades que Cecílio, aos 84 anos, conquistara. Poliglota,
contou-me que fala várias línguas, como o latim, o francês, o inglês, o alemão
e o italiano. Quando moço, quisera tornar-se diplomata.
Outra mesa recebia pratos de comida, xícaras de café,
copos de chopp e também papéis, lápis e ideias. Quando residia em São Paulo,
possuía a “sua mesa”, no Bar Brahma. Lá, sentava-se, findo o trabalho de
assessoria política e de comunicação que prestava a grandes escritórios e
punha-se a escrever em guardanapos de papel e em papéis de embrulho.
Fervilhavam-lhe as ideias que lhe renderam cerca de trinta livros publicados,
dentre os quais “Piracicaba, a Florença Brasileira”, que enaltece a cultura da
nossa cidade.
Conheci-o durante um exame de ecocardiograma, na Clínica
Chicanelli. No laudo, sinais de insuficiência cardíaca, com fração de ejeção
reduzida, sequela do infarto que sofrera trinta anos atrás. Convidei-o a
participar do projeto antitabagismo Paradas pro Sucesso e, desde então,
tomou-me como médica e como amiga, assim como Patrícia Elias, sua filha.
Uma das sequelas do infarto é o desenvolvimento da
insuficiência cardíaca, a maior causa de morte entre pessoas acima de sessenta
anos, com mais de 60 milhões de afetados em todo o mundo. Antes de morrer — o
que, em média, acontece cinco anos após o diagnóstico —, o indivíduo corre ao
hospital a toda hora com as pernas inchadas, com cansaço e com falta de ar,
pois o coração não consegue bombear o sangue, de forma eficiente, para o corpo.
Em resposta, o organismo ativa mecanismos de compensação, incluindo a retenção
de sal e de líquidos. O tratamento baseia-se, primordialmente, numa série de
remédios que devem ser otimizados e administrados de forma contínua. Em alguns
casos, recorre-se ao marca-passo e, até mesmo, ao transplante cardíaco.
Dessa amizade, veio o convite para escrever no site “A
Província”. Enchi-me de orgulho e aceitei, planejando pôr, no papel, as
histórias dos pacientes, dos amigos e das figuras ligadas ao tabagismo.
Inspirada nos textos do Cecílio, adotei o estilo da crônica, com as narrativas
entremeadas a informações pertinentes.
Questionei-o sobre os planos para o futuro e disse-me não
costumar fazê-los. O jornalismo — termo proveniente do francês journalisme,
que remete ao jour, diário — fê-lo pensar somente no dia de hoje. Mas
ocupa-se, atualmente, da feitura de dois livros: a biografia de um cientista
piracicabano e a da jogadora Magic Paula, além das crônicas semanais publicadas
às terças-feiras no JP e na Tribuna.
Cecílio, pai de cinco filhos, recebe, de todos eles,
carinho, atenção e zelo. Dos sete netos, com os quais pouco conviveu, todos
adultos e espalhados pelo mundo — nos Estados Unidos, na Irlanda, em São Paulo
e no Rio Grande do Sul —, nota-lhes a curiosidade pela figura do avô: quem é
Cecílio Elias Netto?
Juliana Previtalli é médica
cardiologista e idealizadora do projeto antitabagismo Paradas pro Sucesso.