Por Adriana Passari - @adrianapassari
Nenhuma guerra acaba bem
A arena estava montada, aguardando os gladiadores. Os anfitriões já se apresentavam no local e tinham a vantagem de reconhecer o terreno. Os adversários visitantes chegariam em poucos minutos. As armas estavam estrategicamente posicionadas. Todo o cenário já estava armado para a atração principal da noite. O clima era de muita expectativa e tensão. Até que tocou o gongo sinalizando que a caravana dos guerreadores havia chegado. Era a buzina do carro do tio Zé, que criou alarde geral na criançada. As meninas correram abrir a porta para receber os tios e os primos que vinham para uma noite de diversão em família.
Juntaram elas, eles e alguns amigos da vizinhança, somando 10 ao todo. A mãe ligeiramente apreensiva logo se despreocupou já que todos iam ficar brincando dentro de casa. Adultos de um lado, crianças de outro, petiscos para todos, papo vai, papo vem, a noite seguia às mil maravilhas.
De dentro do quarto das crianças ouvia-se muita gritaria e muita risada. Para quem estava fora parecia uma inocente brincadeira de amigos. Para quem estava dentro era guerra. Um time posicionado atrás de um dos colchões levantados, formando uma barreira, e o outro time, no lado oposto do quarto com a outra barreira/colchão. Algumas armas estavam no chão entre eles, aguardando missão de resgate de algum soldado corajoso.
O mais novinho deles às vezes se arriscava e engatinhando recuperava um coelhinho ou ursinho de brinquedo utilizado como dinamite naquele confronto. Com medo de machucar o pequeno “café com
leite” da turma ele acabava se dando bem e municiava sua equipe com as armas resgatadas. A brincadeira toda era essa, atacar brinquedos uns nos outros e se defender. Nenhuma vítima fatal até aquele momento. Mas aí, a coisa desandou. Até hoje não se sabe de quem foi o lançamento certeiro quando uma pequena boneca de pano colorida atingiu em cheio o espelho que estava sobre a cômoda que ficava atrás da trincheira de uma das equipes.
O espelho emoldurado todo em gesso, esculpido e rebuscado, acabou escorregando de cima da cômoda espatifando no chão em pedacinhos. A trégua foi imediata. Todos paralisados. Menos os adultos, claro, que correram apavorados para verificar o motivo do barulho.
Entre mortos e feridos, naquela noite, apenas o espelho perdeu a vida naquele campo de batalha. As mães se organizaram para dar broncas generalizadas e recolher os perigosos cacos de espelho e de gesso.
A brincadeira foi encerrada e a noitada chegou ao fim. A lembrança desse dia especial perdura até os dias de hoje e já virou história de ninar para os filhos daqueles filhos bagunceiros.
Ouça a história na voz de Adriana Passari: