“Da obra ao post: Como viramos reféns do #TBT”
Era uma vez — e não faz tanto tempo assim — que a trajetória artística de alguém era medida por obras, por processos, por suor, por palco, por tinta, por papel, por público e por memória. Era o acervo que dizia quem você era. Era o repertório que falava quando você se calava. A arte, essa entidade indomável, deixava rastros, marcas, pegadas que sobreviviam aos anos, às modas, às tempestades e até aos próprios artistas.
Hoje? Hoje parece que tudo cabe em um quadradinho 1080x1080, devidamente filtrado, emotizado e “lembrado” às quintas-feiras.
Sim, senhoras e senhores: a história virou #TBT.
Aquele artista que passou três décadas lapidando identidade, criando rupturas, inovando estéticas, construindo cenas, hoje precisa disputar espaço com lembranças aleatórias de qualquer cotidiano — todas embaladas pela mesma hashtag. O algoritmo, impiedoso, não distingue legado de nostalgia, profundidade de passatempo, consistência de tendência.
E assim, a trajetória artística, essa coisa séria, longa e cheia de nuances, vira um carretel de lembranças picotadas, postadas ao sabor da conveniência. O artista que antes tinha um dossiê vivo — catálogos, críticas, programas de espetáculo, gravações, objetos, memórias de quem esteve presente — agora acumula fotos arquivadas no celular quebrado e stories expirados.
A ironia? Estamos na era em que mais se produz imagem… e menos se preserva história.
O #TBT virou um altar semanal de lembranças aleatórias, um museu improvisado onde ninguém realmente estuda nada; apenas desliza o dedo, dá um like, comenta um “uau, que demais!” e segue para o próximo estímulo digital. É o passado transformado em entretenimento rápido — e, pior ainda, descartável.
A arte, essa que exige profundidade, contexto e permanência, se vê encolhida a um post nostálgico. E o artista, se não vigiar, corre o risco de se tornar curador de si mesmo, reduzido a “gestor de memórias digitais”.
E aqui vem a provocação final — aquela que arde, mas precisa ser dita:

Se sua trajetória cabe inteira no #TBT, será que ela realmente existiu?
Ou melhor: será que nós ainda sabemos construir algo que dure mais do que a próxima atualização do feed?
Porque se a história da arte virar apenas um desfile de lembranças publicáveis…
…então estaremos lembrando cada vez mais e registrando cada vez menos.
E talvez seja exatamente esse o perigo silencioso da era digital:
transformar a memória em entretenimento, e o legado em post.
Elson de Belém é Artista e Comunicador Cultural