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Coluna: Adriana Passari fazendo histórias - 26-09-2025

Publicada em: 26/09/2025 07:16 -

Por Adriana Passari - @adrianapassari

 

Um Conto secular

 

Ela vinha apressada atravessando todo o pátio da mansão, tentando ultrapassar a multidão que caminhava pelo lugar. Tinha que chegar em tempo de sua ausência não ter sido notada pela família e especialmente pela mãe controladora e pouco disposta a suportar as atitudes irreverentes e pouco convencionais dessa filha “selvagem” como ela gostava de classificar Manuela desde tenra idade.

Ela caminhava com desenvoltura, quase correndo para vencer a distância até o salão onde deveria estar ao lado de seu esposo Caio Augustus fazendo mesuras aos convidados, pessoas que ela nem conhecia, mas faziam parte da mais alta casta e que tinham muita relevância para sua família. Ela venceu os obstáculos humanos e optou por uma porta lateral, mais discreta, utilizada pelos empregados da mansão. Alcançou o corredor que dava acesso aos quartos e adentrou em seus aposentos chamando por seu marido. Se conseguisse chegar ao salão principal ao lado dele, sua mãe a pouparia de mais um desagradável sermão.

Mas foi em vão, Caio não estava lá. Ele certamente já estava desempenhando seu papel junto aos outros personagens convidados desse teatro social tão bem orquestrado pela grande dama Lucília, sua mãe. Não teve outra escolha a não ser retomar a corrida até o palco de sua vida real. Saiu novamente pelo corredor na esperança de chegar em tempo de evitar mais um drama pelo seu mau comportamento.

Ao passar ao lado de um aparador todo entalhado em madeira de lei com um grande espelho emoldurado com detalhes dourados, viu sua imagem e gostou muito do que viu. Seus grandes cachos castanhos acobreados estavam revoltos e algumas mechas avançavam sobre seu rosto dando-lhe um ar de liberdade que ela tanto amava, mas que ao mesmo tempo faziam a mãe espumar em ódio e acusá-la de desleixo.

Estava certa que teria problemas hoje. Ajeitou as madeixas como pode e seguiu seu caminho. Quando beirava o jardim interno central presenciou uma das criadas com um incensário espalhando aromas que misturavam o frescor do verde das folhas com um leve dulçor de flores. Não resistiu em reduzir a velocidade para aproveitar aquele perfume tão encantador e aspirou com profundidade o ar ao seu redor. Sorriu para a criada que sorriu de volta e baixando o olhar foi se retirando do ambiente, andando de costas para a jovem patroa, seguindo com a sua tarefa. Estava perto de alcançar o salão e foi se recompondo aos poucos, de nada adiantaria tanto esforço se fosse flagrada adentrando ao grande cômodo trôpega e resfolegando. Manuela sacou de sua arma mais eficiente para escapar do drama familiar que a mãe insistia em protagonizar, abriu o maior e mais sincero sorriso que conseguiu e entrou.

Percorreu com os olhos todo o espaço ricamente decorado procurando pela mãe. Assim que a localizou traçou sua estratégia. Andou pelo Salão no sentido oposto ao dela para tentar ser vista ao longe, muito antes de ser confrontada.

Queria passar a sensação de que esteve lá o tempo todo. Depois de alguns minutos circulando entre os convidados ela já estava relaxada e esquecendo a possível bronca que receberia e ela detestava. Até que alguém agarrou sua mão e deu um leve puxão mudando a direção do seu passo. Era Caio. A sensação de seu toque foi reconfortante. Longe de ser apaixonada por seu marido, eles eram bons amigos que se ajudavam.

O casamento foi arranjado e Manuela, prática como era, foi logo tratando de se entender com o pretendente. Fizeram um acordo de cavalheiros, ou de dama e cavalheiro. E o acordo funcionava bem para ambos. Para sua sorte o marido era bem apessoado, bonito até. Mas sua melhor qualidade era a lealdade. Eram totalmente fiéis aos seus propósitos. Caio direcionou Manuela para a área central do Salão onde alguns casais dançavam.

Colocou a mão em sua cintura e começou a conduzi-la na valsa que era tocada por uma pequena orquestra posicionada em um patamar um pouco mais elevado. Antes que ela reclamasse que não estava disposta a dançar o marido foi logo avisando. Sua mãe estava logo atrás dela e não estava muito feliz. Parece que seu atraso havia sido notado e ela teria que lidar com isso mais tarde.

Optaram por dançar muitas valsas e atrasar o confronto o quanto mais pudessem. E divertiram-se no processo. Os dois eram jovens, animados, avessos às rígidas convenções da sociedade e protegiam um ao outro como podiam.

Ouça a história na voz de Adriana Passari:

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