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Coluna: Entre Linhas com Ivana Negri

Publicada em: 18/09/2025 07:41 -

A magia das casas antigas

                                                           Ivana Maria França de Negri

 

Às vezes fico imaginando que as casas muito velhas adquirem uma espécie de alma. Ficam para sempre impregnadas pelos fluidos das pessoas que nela habitaram, viveram conflitos, vitórias, tragédias, emoções, alegrias, tristezas e acalentaram sonhos em suas dependências. Amores vividos, alguns sonhos realizados, outros não, decisões importantes tomadas em seus recintos, e que certamente mudaram o rumo de muitas vidas. Vozes continuam a ecoar em sussurros fantasmagóricos e incompreensíveis.

Quantos dramas, nascimentos e mortes, aos quais as paredes assistiram mudas, estáticas, impassíveis, constantemente revividos nas recordações dos protagonistas. Também acobertaram travessuras de crianças, acolheram anseios juvenis e testemunharam grandes romances, felizes alguns, trágicos outros.

Casas também possuem um ciclo vital: nascimento, auge, declínio e morte.

Quando uma pessoa morre, deixa suas marcas no local onde morou. É como se ainda estivesse ali, presente. Chegamos a sentir o odor que emanava dela e até sentimos arrepios quando isso ocorre. Essa essência fluídica e única de cada ser penetra pelas frestas, pelos vãos, impregna-se entre o reboco e os tijolos das paredes envolvendo tudo. O piso, gasto pelos mesmos pisares durante décadas, fica indelevelmente marcado, como cicatrizes de um tempo que não volta. São as rugas das casas. Grossas camadas de musgo cobrem as paredes como um manto de veludo verde a lhes cobrir as machucaduras. Gerações passam e casarões resistem bravamente, testemunhas imponentes de um passado distante, de sagas familiares, de lendas e histórias. Mesmo em ruínas, guardam encantos e aspectos mágicos.

            Mas os palacetes, assim como os casebres, também sucumbem um dia, corroídos pelo tempo que a tudo consome, ou são demolidos. Às vezes são reduzidos a pó pelas guerras ou terremotos. Levam consigo segredos nunca revelados, coisas íntimas ditas entre quatro paredes. Seu espectro vaga nas lembranças das pessoas que neles viveram e de seus descendentes. Tornam-se imortais quando aprisionados em fotografias ou quadros e permanecem vivos na memória e na saudade de quem neles morou. Mas vão se dissipando, com o tempo, diluindo-se lentamente, como acontece com tudo.

            Antigamente as mansões ostentavam orgulhosamente os brasões de família, datas, inscrições e beirais imponentes, inclusive a expressão “sem eira nem beira” refere-se às moradias de pessoas sem expressão social cujas fachadas não exibiam beirais ricamente trabalhados, com esculturas importadas e nem  amplas “eiras” - do latim, área - ou seja, um avarandado, espécie de alpendre ao redor da casa.

            Muitas lendas são contadas sobre fantasmas de pessoas que habitaram certos lugares e continuaram ligadas ao local, “amarradas” nele, como se não tivessem morrido. Continuam a “viver” nos recintos até tomarem consciência de que já não têm mais um corpo e podem locomover-se com a força do pensamento para autarquias superiores e libertar-se dos grilhões que as prendem à terra. Muitos livros foram escritos contando sagas de fantasmas que assombram os mesmos lugares por séculos, e também dezenas de filmes sobre o tema foram rodados. O musical da Broadway , “O Fantasma da Ópera”, obteve tanto sucesso que é exibido há décadas, ininterruptamente, e sempre com ótimo público.

            Casas mal assombradas, em todas as épocas, sempre aguçaram o imaginário popular e seu poder encantatório  exerce um fascínio de difícil explicação.

            Quanta magia existe nas casas velhas, quanto mais antigas, mais mágicas!

 

                                    Ivana Maria França de Negri é  escritora

 

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