O coração da mulher não é igual     

       A avenida Cruzeiro do Sul, no bairro Nova Piracicaba, margeia o rio Piracicaba em, aproximadamente, três quilômetros. Bastante arborizada, atrai frequentadores para o lazer e para a prática de corridas e de caminhadas. Dentre muitas árvores nativas, destaca-se a Tipuana, espécie frondosa, com copa densa e ampla, que proporciona sombra e beleza natural e paisagística.

            Adriana Aparecida da Cruz Fernandes, 49 anos, caminhava à sombra das Tipuanas da Cruzeiro do Sul, diariamente, no percurso de ida e de volta. Numa manhã ensolarada de dezembro de 2023, percebeu o peito arder e o ar faltar. Sentou-se num banco. Suava frio. O mal-estar aliviou; então resolveu continuar, mas, ao realizar o mínimo esforço, a dor reaparecia. Voltou para casa e contou ao marido Donizete e aos filhos. Adriana sofria de fibromialgia ― doença reumatológica que causa dor crônica. Constantemente, queixava-se de algum desconforto. Eles não deram importância.

            Os sintomas de infarto em mulheres podem ser diferentes dos observados em homens. Os clássicos: dor no peito com irradiação para o braço, para a mandíbula ou para o estômago; náusea; suor frio e desmaio podem vir misturados aos sintomas atípicos: enjôo; falta de ar; cansaço inexplicável; desconforto no peito e palpitações.

            Como a dor não passava e a percebia diferente das dores de outrora, Adriana resolveu, depois de 72 horas e aconselhada pelo irmão Alex, procurar atendimento no EMCOR da Santa Casa. O eletrocardiograma não mostrou alterações. Seria dispensada, mas Adriana exigiu que lhe colhessem a troponina ― biomarcador que indica lesões no músculo cardíaco. Aguardou cerca de duas horas até, finalmente, receber o diagnóstico de infarto do miocárdio. Nos dias seguintes, submeteu-se ao cateterismo cardíaco e à angioplastia.

            As doenças cardiovasculares constituem a principal causa de morte nas mulheres no Brasil e no mundo. Elas matam duas vezes mais que todos os tipos de câncer, incluindo o de mama. Segundo dados da SOCESP ― Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo ―, em 60 anos, a proporção de mortes por problemas cardíacos, em mulheres, aumentou 37%. As jornadas de trabalho exaustivas, os cuidados com a família e os afazeres domésticos elevam os níveis de estresse que, aliados ao sedentarismo e à má alimentação, comprometem a saúde do coração.

            Adriana aprendeu a fumar muito cedo, aos 13 anos, com as amigas, escondidas no banheiro da Escola Estadual Olívia Bianco. O namoradinho Donizete e quase todos os familiares fumavam: o pai, Orlando, a mãe, Maria Inês e a irmã mais velha, Ângela. Aos 16 anos, para deixar o ambiente pesado de casa ― o pai padecia de alcoolismo ―, casou-se e, no ano seguinte, engravidou. A gestação complicou-se com hipertensão e seu primeiro filho, Eric, nasceu pequeno, pesando apenas 2,7 quilos. Adriana, adolescente de 17 anos, não parou de fumar durante a gestação e até aumentou o consumo dos cigarros depois que o filho nasceu. Acompanhada do marido, fumavam 4 maços por dia.

            Importante ressaltar que existem, ainda, fatores específicos das mulheres, que aumentam o risco de infarto: menarca precoce (primeira menstruação antes dos 10 anos de idade); ovários policísticos; hipertensão na gestação; pré-eclâmpsia; partos prematuros; abortos; diabetes na gestação; recém-nascido com baixo peso; endometriose; menopausa precoce (antes dos 45 anos de idade), fatores causadores de inflamação nas artérias que facilita a formação de placas de colesterol e o entupimento dos vasos.

            Leitor, você acompanhou atentamente? Adriana possuía muitos fatores de risco, além do óbvio e pesado tabagismo ― e eu os deixei em destaque. Pasme! Eles aumentam em até 300% o risco de infarto do miocárdio. Mesmo tendo cessado o tabagismo há mais de 10 anos atrás, Adriana possuía risco residual considerável.

            Somente há 12 anos, quando ela e o esposo se converteram à igreja evangélica, conseguiram parar de fumar. O filho mais novo, Donizete Júnior, casar-se -á em breve e a perspectiva da chegada dos netos traz, à Adriana e ao marido, encantamento e vontade de viver com, cada vez mais, saúde e cuidado.

          Dra. Juliana Barbosa Previtalli é cardiologista e presidente da regional Piracicaba da SOCESP

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