Por Adriana Passari - @adrianapassari

 

A cantoria

 

A moça até que era bonitinha. Quando entrou para trabalhar na firma despertou interesse e curiosidade, especialmente dos rapazes solteiros e dos mais assanhados também, mesmo casados. Era simpática. Respondia a todos com sorriso e se mostrou muito disposta a aprender o ofício. Logo cativou a maior parte dos funcionários e diretores da empresa que estavam animados por terem acertado em cheio na contratação, num período em que achar bons colaboradores era difícil.

O problema veio depois. Após ter conquistado a confiança de todos e uma certa liberdade, ela se sentiu à vontade para começar a cantarolar durante o expediente. Primeiro baixinho, suave, quase imperceptível. Passou um tempo e a cantoria foi aumentando.

De volume e de quantidade. O repertório era até bem variado, hora desagradava uns, hora desagradava outros. Ninguém tinha coragem de confrontar a moça e pedir silêncio, porque ela parecia tão feliz cantando, tinham medo de parecer rabugentos, mal-humorados. A reclamação, porém, chegou ao Departamento de Recursos Humanos por meio de uma cartinha anônima colocada por debaixo da porta e encontrada por Dona Célia logo cedo quando chegou para o trabalho.

Ficou sem saber o que fazer. Levou o problema para a chefia. Pensaram em demissão, mas seria muito ruim para a empresa perder uma funcionária tão eficiente e trabalhadora que adiaram a decisão. Uma circular foi distribuída para todos os departamentos solicitando que mantivessem o ambiente o mais produtivo possível, salutar e silencioso.

Cada um que lia já sabia o endereço certo daquela indireta funcional, menos aquela que era o verdadeiro alvo da missiva. E a cantoria continuou. Um dos colegas da moça, num dia que chegou estressado com os problemas que enfrentou no trânsito, decidiu dar um fim àquela tortura. Caminhou em direção a ela para um basta coletivo. Quando o viu, com aquela cara de poucos amigos, a moça, tão solícita, veio até ele e ofereceu uma xícara de chá de cidreira que estava tomando, já que ele estava nervoso e precisando mais que ela.


@ericosanjuan

O rapaz, acovardou-se, conteve o ímpeto, tomou o chá, deu meia volta e desistiu da bronca. Ela foi transferida para uma sala mais reservada e com acústica mais reforçada. O problema diminuiu. Depois de um tempo todos acabaram se acostumando com a situação. Na festa de fim de ano da firma fizeram uma vaquinha e a presentearam com um curso de canto, para que pelo menos evitasse a desafinação.

Ela adorou! Hoje, além de trabalhar durante o expediente comercial na empresa, faz bicos de cantora numa lanchonete popular da cidade onde às vezes a turma do trabalho se reúne para se divertir e aplaudir.

Ouça a história na voz de Adriana Passari:



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