Por Adriana Passari -
@adrianapassari
Do outro lado da rua
A Dona de casa acordou
animada, era um lindo dia de outono. Tinha muitas tarefas para cumprir ao longo
das horas e foi logo arrumando a cama, ajeitando os travesseiros e estendendo
lençóis, cobertor e a velha colcha que já a acompanhava pelo menos ao longo dos
últimos trinta anos. Tirou a camisola e foi logo vestindo roupas confortáveis
de “ficar em casa”, como ela dizia, para distinguir das roupas mais arrumadas
que usava em ocasiões especiais como nas reuniões da associação das mulheres do
bairro onde ela atuava três vezes por semana para ajudar a fazer marmitas para
pessoas de rua, costurar agasalhos na época de frio ou arrecadar brinquedos no
Natal. Sentia-se disposta como uma jovem de 40 anos, mesmo já contando com
quase 70.
No caminho do banheiro
recolheu um par de meias que o marido displicentemente esqueceu ao lado da cama
na pressa de sair para o trabalho. Mesmo aposentado, ele prestava serviço de
contabilidade na firma onde trabalhou mais de 20 anos, só que agora como consultor.
Aproveitou para recolher as roupas sujas do cesto do banheiro e colocá-las na
máquina de lavar.
Na cozinha preparou seu café
com leite e tomou acompanhando um pedaço de pão caseiro com manteiga, feito no
dia anterior. Levantou-se, lavou a xícara e varreu as migalhas da mesa. Colocou
leite no potinho do gato que logo chegou ronronando para esvaziar a tigela.
Pegou a vassoura e foi limpar a calçada que estava forrada de folhas caídas da
árvore que até umas semanas antes esteve carregada de flores brancas, tão
lindas. Completou a tarefa animada, conversando com a árvore, agradecendo a ela
pela sombra, pela beleza e até pelas folhas caídas que deixavam a casa parecida
com a paisagem de um quadro que ela se lembra de ter visto em uma visita a um
Museu com as amigas da turma do crochê. Terminou a tarefa e entrou.
Enquanto isso, do outro lado da rua, também varria a calçada uma outra dona de casa, idosa, devia estar lá pelos seus 70 anos. Varria energicamente, se livrando daquela “sujeirada” toda provocada pelas folhas da árvore, que viviam entupindo a calha da sua casa. O vento teimoso atrapalhava a tarefa, desmanchando os montinhos que ela formava.
Com redobrado esforço
conseguiu recolher tudo com a pazinha, colocou em um saco de lixo azul, amarrou
e deixou ali para o lixeiro recolher. Aproveitou a vassoura para espantar o
cachorro que passava na rua para que ele não usasse a sua calçada como banheiro.
Ao entrar em casa tropicou, mas sem cair, no mesmo degrau que a incomodava há
anos e que tem uma trinca no beiral. Praguejou e culpou o marido que nunca o
consertou. Entrou, bateu a porta e foi cuidar de outras tarefas do dia.
Ouça a história na voz de Adriana Passari:
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