Pesquisa
aponta que mais de 100 milhões de brasileiros não têm o hábito de leitura
regular
A
perda de leitores no Brasil nos últimos anos tem sido uma preocupação
crescente, tanto para o setor editorial quanto para a sociedade. A leitura, essencial
para a formação de uma população crÃtica e informada, tem diminuÃdo em diversas
regiões do paÃs, refletindo fatores socioeconômicos, culturais e tecnológicos
que afetam diretamente o hábito de leitura dos brasileiros.
Estudos
recentes indicam uma queda significativa no número de leitores no Brasil.
Segundo a Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto
Pró-Livro, o paÃs perdeu cerca de 4,6 milhões de leitores entre 2015 e 2019,
caindo de 56% para 52% da população. Isso representa mais de 100 milhões de
brasileiros sem o hábito de leitura regular, e aqueles que leem consomem, em
média, apenas 2,5 livros por ano, sendo muitos desses livros didáticos ou
indicados por professores.
Essa
diminuição no número de leitores tem profundas implicações culturais. A leitura
não apenas expande o conhecimento, mas também desenvolve o pensamento crÃtico e
a capacidade de argumentação. Sem esse hábito, a formação de cidadãos
conscientes e preparados para debater questões sociais e polÃticas de forma
aprofundada fica prejudicada.
A
leitura também é essencial para a alfabetização funcional – a capacidade de
interpretar e compreender textos mais complexos. A perda de leitores contribui
para o aumento das taxas de analfabetismo funcional no Brasil, impactando
diretamente a produtividade no mercado de trabalho e a participação ativa na
sociedade.
O
ambiente familiar desempenha um papel crucial na formação de hábitos de
leitura. No Brasil, muitas crianças crescem em lares onde não há incentivo ou
exemplos de leitura, seja pela falta de tempo dos pais, devido a longas
jornadas de trabalho, ou pela ausência de livros em casa. Sem esse estÃmulo
precoce, as crianças têm menos chances de desenvolver interesse pela leitura, o
que afeta seu desempenho escolar e sua relação com os livros na vida adulta. O
exemplo dos pais é uma ferramenta poderosa para moldar o comportamento dos
filhos. Quando as crianças veem os adultos lendo regularmente, tendem a
considerar a leitura uma atividade positiva e importante. Pais que leem para
seus filhos desde cedo criam momentos de proximidade emocional, fortalecendo os
laços afetivos e associando a leitura a experiências acolhedoras, o que reforça
o prazer de ler e cria memórias duradouras.
Além
disso, o incentivo à leitura contribui diretamente para o desenvolvimento da
linguagem, do vocabulário e das habilidades cognitivas dos filhos. Ler para as
crianças desde cedo auxilia no desenvolvimento da fala, da escrita e da
compreensão de mundo. Crianças que crescem em ambientes onde a leitura é
valorizada costumam ter melhor desempenho escolar e se tornam leitores mais
crÃticos e competentes.
O
psicólogo suÃço Jean Piaget, conhecido por sua teoria do desenvolvimento
cognitivo, oferece insights sobre a importância da leitura. Segundo Piaget, a
leitura está diretamente ligada ao desenvolvimento das habilidades cognitivas
das crianças, estimulando a capacidade de abstração, resolução de problemas e
pensamento crÃtico. A ausência de leitura durante a infância e adolescência
pode retardar o desenvolvimento dessas habilidades e limitar o processo de
"equilibração", no qual a criança ajusta suas estruturas cognitivas
para incorporar novas informações e conceitos. A leitura é, portanto, um
importante catalisador no processo de construção do conhecimento.
A
filósofa polÃtica Hannah Arendt, embora não tenha se focado diretamente na
educação ou leitura, abordou a importância do pensamento crÃtico em sua obra
sobre a "banalidade do mal". Para Arendt, a leitura, especialmente de
textos que desafiam o leitor a pensar de forma independente, favorece a
reflexão crÃtica. A ausência de leitura pode resultar em uma sociedade acrÃtica
e conformista, vulnerável a manipulações polÃticas. O ato de ler é fundamental
para o fortalecimento da democracia e a resistência a regimes totalitários. A
falta de leitura, portanto, compromete a capacidade das pessoas de questionar e
resistir à opressão.
O
sociólogo francês Pierre Bourdieu discutiu o conceito de capital cultural e
como ele influencia o acesso à educação e à leitura. Segundo Bourdieu, a
leitura não é apenas uma escolha individual, mas está profundamente relacionada
ao capital cultural que uma pessoa possui – ou seja, o acesso a bens culturais
e ao suporte familiar e escolar. Para ele, a falta de leitura reflete
desigualdades estruturais, nas quais as classes menos favorecidas têm menos
acesso a livros e estÃmulos culturais. Ele argumentava que as práticas de
leitura estão ligadas à reprodução das desigualdades sociais, já que aqueles
com mais capital cultural têm maiores chances de desenvolver o hábito de
leitura.
Ronaldo
Castilho é jornalista, licenciado em História e Geografia, e bacharel em
Teologia e Ciência PolÃtica.