Por Adriana Passari - @adrianapassari
Feito de aço
Não somos uma família especialmente musical. Embora uma
diversão muito especial dos meus pais quando se reuniam com outro casal de
amigos de longa data fosse colocar os discos do Nelson Gonçalves pra tocar na
vitrola, afastar a mesa de centro da sala e dançarem animadamente, rindo
bastante. Nós, os pequenos frutos desses casais, nos divertíamos enquanto isso,
jogando Banco Imobiliário, Detetive, Ludo, entre outros. Várias rodadas depois
sucumbíamos ao sono, jogados no sofá, acumulados na primeira cama que estivesse
próxima ou até estirados no tapete de onde seríamos depois içados para o colo e
levados para casa. Eram dias especialmente felizes aqueles, em meio a dias nem
tanto. Certa vez, houve uma música, que conectou pai e filha.
Tocava no rádio, era novidade, causava um certo
estranhamento no início, mas depois de algumas repetições aquela melodia
grudava no ouvido feito chiclete no cabelo. Naquele tempo, anterior à internet,
era preciso ter uma fita cassete, um gravador, sorte e paciência para esperar a
música tocar no rádio e correr apertar o botão de gravar para poder reproduzir
a música favorita quando quisesse.
Eram tempos de caça. E às vezes bem sucedida. Após gravar a música que tinha tocado no rádio, mesmo com pequena interferência do locutor na abertura, era possível passar à segunda fase: copiar a letra para aprender a cantar. Eu me lembro com muita nitidez de cores, cheiros e sentimentos daquele dia especial quando ele chegou com um papel em mãos. Naquelas linhas estava escrita a letra da canção que ele conseguiu compilar, linha por linha, e trazia orgulhoso para juntos aprendermos a cantar. E assim fizemos ao longo do dia, desafinando juntos, ensaiamos até decorar aquela música que ficou marcada em nossa história. Naquele dia, eu juro, me senti a preferida do papai, enquanto entoávamos o clássico sertanejo: “Fuscão preto, você é feito de aço, fez o meu peito em pedaço…”. E assim o fuscão preto atropelou a família toda durante semanas. Foram semanas inesquecíveis!
Ouça A história na voz de Adriana Passari: