Por Adriana Passari - @adrianapassari


A caixa

 

Uma velha tia avó solteirona de Lola ia chegar em breve à sua casa para uma longa estada. A visita não animava muito a menina já que gente velha não era muito chegada em brincadeiras. O que Lola realmente queria era brincar com criança.

No final da semana Dona Aurora chegou trazendo presentes para toda a família. Lola ganhou um vestido pelo menos três números menor do que usava. Não ia servir. Agradeceu sem muita vontade, apenas por educação e também porque sua mãe estava olhando para ela com aquele olhar de quem está prestes a dar uma bronca. Mamãe ganhou um belo avental pintado à mão e com pontas feitas em crochê, bastante fora de moda, mas ela parece que gostou muito. Para papai um prático par de meias de lã muito grossas e quentes para aquecer as noites de inverno (muito raras na nossa região).

Tia Aurora, como ela mesma pediu para ser chamada, não trouxe muita bagagem, apenas uma grande mala bastante surrada, daquelas com rodinhas para facilitar o transporte, uma pequena bolsa de mão feita de lona azul marinho com pequenas luas amarelas e uma caixa. A caixa foi a que mais despertou a atenção da pequena curiosa.

Era de madeira envelhecida com uma tampa que encaixava perfeitamente e estava fechada com um enorme cadeado. Parecia que guardava um tesouro.


@estelamenegalli_art

Depois das formalidades para receber a visita mamãe levou a tia para o antigo quarto de costura que ela transformou em quarto de hóspedes.

Tinha uma cama que foi emprestada por uma vizinha, uma cômoda com gavetas para algumas roupas, um criado ao lado da cabeceira com um abajur e só.

A velha acomodou a mala num canto, a bolsa de luas sobre a cômoda e enfiou a caixa misteriosa embaixo da cama. Lola acompanhou esse movimento com os olhinhos ardendo de curiosidade.

Passaram dias até que Lola tivesse uma oportunidade a sós com a velha tia. E foi logo de cara, sem mesuras, perguntando sobre os tesouros escondidos na caixa.

Aurora deu um riso contido com o atrevimento da menina espevitada e depois retomou sua expressão séria. Ao invés de responder logo ela foi enrolando e aumentando a expectativa da pequena. Quando a menina já ia bufando e quase saindo do quarto, Aurora abaixou-se e pegou a caixa debaixo da cama.

Antes de abrir a caixa ela pediu à menina que não contasse pra ninguém sobre os segredos da caixa que ela guardava há tanto tempo. Lola concordou, quase sem respirar de tanta ansiedade.

Aurora puxou a corrente de ouro que pendia em seu pescoço e só então Lola notou que nela havia pendurada uma pequena chave em forma de pingente. Com a chave a tia abriu a caixa e levantou suavemente a tampa. Um leve rangido de ferro enferrujado soou.

E todas aquelas coisas saltaram aos olhos da pequena serelepe. Lola riu um riso solto que revelou graça e desapontamento.

A primeira coisa que ela notou lá dentro, no meio de tanta quinquilharia foi uma dentadura quebrada com marcas de mordida. Incentivada pelo olhar de Aurora, mesmo sentindo nojo, ela pegou. Pra que serve isso?

Esse é um dos meus maiores tesouros...Essa dentadura pertenceu à minha avó Carmem, até o dia em que a Dona, uma cadelinha vira-lata muito querida a encontrou e mordeu todinha. Passamos dias encontrando dentes da minha avó espalhados pela casa. Guardo pra lembrar das duas que já se foram, Vovó e a cachorrinha.

Lola tentou segurar o riso, mas não conseguiu, imaginou a velhinha banguela correndo atrás da cachorra, deve ter sido hilário. Aurora desatou a rir junto com a menina, riu tanto que derramou lágrimas e as lágrimas viraram um quase pranto pela avozinha querida que sofreu muito sem os dentes...

O próximo tesouro que ela bateu os olhos foi uma bolsinha de tecido com fecho de ferro. Ela parecia bem gordinha, cheia de coisinhas...Lola abriu o fecho e despejou sobre a cama do quarto de hóspedes todo seu conteúdo. Eram pulseiras, colares e anéis que pareciam de ouro com umas pedras coloridas. Ela foi logo colocando todos, claro que os anéis ficaram enormes e as pulseiras não paravam no braço, mas ela se sentiu como uma rainha cheia de jóias.

Muito cuidado com isso porque um dia eu pretendo deixá-las para sua mãe. Elas pertenceram à minha bisavó e devem permanecer com as mulheres da família, um dia poderão ser suas...

No fundo da caixa Lola notou uma foto amarelada...Aurora segurou a foto com as mãos ligeiramente trêmulas, sua pele ficou levemente ruborizada e os olhos brilharam, quase molhados.

Quem são eles? Perguntou Lola.

Sou eu e um grande amigo, respondeu depois de um profundo suspiro. No verso da foto havia um desenho que parecia um mapa feito à mão e uma frase: “esperarei para sempre”.

Aurora respirou fundo e contou tudo para a menina. Mário foi o primeiro e grande amor da minha vida. Nós éramos muito jovens e muito apaixonados. Prometemos viver juntos e felizes para sempre. Morávamos no interior e ele foi estudar na cidade. Sofremos muito na despedida, esta foto foi tirada alguns dias antes dele viajar. Passaram alguns meses e ele ia voltar de férias quando uma tragédia tirou o Mário de mim. Ele sofreu um grave acidente na estrada e morreu no hospital antes que eu pudesse vê-lo.

Chorei por muitos anos, depois encontrei outros amores, mas não quis me casar com nenhum.

E este mapa tia? Este mapa indica o local exato onde nosso amor ficou gravado para sempre. Vê esta árvore? Fica nos arredores do sítio da vovó. Está lá, guardado para sempre o meu amor...

Com isto Aurora encerrou a escavação de seu passado. Fechou a caixa e pediu licença para Lola.

A menina deu-se por satisfeita, saiu meio pensativa. Era mesmo um tesouro. Ficou com pena da pobre tia. Decidiu começar a juntar o seu próprio tesouro.

Ouça a história de Adriana Passari, clicando no audio abaixo:


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