Consideração!
Bom dia, pessoal!
Em 1971, Gilberto Gil compôs uma
música chamada Oriente, a qual gravou em seu disco Expresso 2222
(1972) e cuja primeira estrofe diz assim:
“Se oriente, rapaz
Pela constelação do Cruzeiro do
Sul
Se oriente, rapaz
Pela constatação de que a aranha
Vive do que tece
Vê se não se esquece
Pela simples razão de que tudo
merece
Consideração”
Foi vendo o resultado maravilhoso
do Brasil nas Olimpíadas que me veio a música acima e a reflexão que gostaria
de fazer hoje. Considero o resultado brasuca nas Olimpíadas maravilhoso,
pois mesmo com todas as dificuldades e falta de incentivos, conseguimos ampliar
nosso quadro de medalhas, Olimpíada após Olimpíada! Sem dúvida alguma a
resiliência, a dedicação imensa e o desejo de “chegar lá” superando todo tipo
de dificuldades por parte dos nossos atletas é o que permite isso. Mas e
aqueles que, apesar de todo talento, de todo esforço e desejo de se superar e
que conseguem estampar uma medalha no peito, ainda assim ficam deprimidos, desiludidos?!?
Ao longo dos últimos anos, é
expressivo o número de atletas que delata o desgaste e até o adoecimento
psíquico por excesso de pressão interna e externa com o próprio desempenho, a
necessidade de auto superação e com a falta de sentido da própria vida que os assalta
de repente. São inúmeros, vamos lembrar de alguns:
·
Simone Biles, recordista de medalhas em
competições: teve depressão;
·
Michael Phelps, uma lenda da natação: teve
depressão;
·
Rafaela Silva, judoca brasileira, medalha de
ouro em 2016: teve depressão;
·
Naomi Osaka, tenista, 2ª no ranking
mundial/2021: teve depressão;
·
Diego Hypolito, ginasta brasileiro, medalha de
prata em 2016: teve depressão;
·
Kevin Love, basquete, campeão pela NBA: ataque
de pânico na quadra;
·
Serena Williams, tenista excepcional: depressão
pós-parto;
·
Bruno Fratus, nadador brasileiro, medalha de bronze
em 2021: teve depressão...
Eu poderia, infelizmente, citar muitos outros
atletas excepcionais que também tiveram depressão. O que acontece?!
Num certo sentido, falta de
consideração! A letra de Gil diz: “... a aranha/Vive do que tece/Vê se não se
esquece/Pela simples razão de que tudo merece/Consideração”! TUDO MERECE
CONSIDERAÇÃO! Tudo! Mas temos vivido uma corrida tão desenfreada atrás de
resultados, de sermos o número 1 em tudo, de sermos sempre os melhores que nem
paramos para pensar no que realmente faz sentido sermos bons.
Os atletas citados acima são
excepcionais, incríveis, mas seu desempenho não foi suficiente para dar-lhes a
deliciosa sensação de felicidade pelas próprias conquistas, pelo menos não de
um jeito duradouro. E é aí que mora o perigo! Vivemos numa sociedade que nos
cobra sermos felizes o tempo todo como se isto fosse possível. A tristeza faz
parte da vida tanto quanto a felicidade. Negar que a vida é feita de instantes,
momentos, fases felizes e outros tantos infelizes, é negar a realidade.
A busca pelo desempenho perfeito
não pode ser meta de vida. Todos somos falíveis. Todos somos bons em algo e não
tão bons ou péssimos em muitas outras coisas. Todos envelhecemos e perdemos
destreza. E isto é natural!
Porém, esquecemos que somos muito
mais do que desempenho e resultados. Somos seres sensíveis! Erramos sim, mas
acertamos também. Queremos resultados cada vez
melhores?! Sim, queremos! Mas também queremos ser amados! Queremos ser
considerados! Queremos ser reconhecidos por sermos quem somos, do jeito que
somos! Mas parece que tudo isso se tornou supérfluo, coisa de gente frágil, bobagem!
Mas é exatamente essa “bobagem”
que, quando não é atendida, nos adoece, nos deprime, nos faz paralisar! Minha
intenção é lembrar a você de que sim, gente, seres humanos têm limites e isto é
perfeitamente normal! Anormal é achar que tem que “bater recordes”,
ganhar medalhas, achar que ser conhecido e reconhecido publicamente é que é o normal!
Então lhe pergunto: o que é ter
sucesso para você? O que faz com que seu coração bata acelerado de tão feliz? O
que realiza você? O que lhe dá uma alegria profunda? Será que são só os
momentos de auto superação?
Os artistas conseguem perceber e
expressar com poesia aquilo que muitas vezes o racional não compreende ou nega!
Gil fala que “a aranha vive do que tece”. Vivemos das nossas criações mentais!
O que eu acredito torna-se real! Qual a trama de vida que venho tecendo para
mim, a do tenho que ou a do posso ser: posso ser
como sou?! E continua Gil: “Pela simples razão de que tudo merece/
Consideração”!
Por favor, tenha consideração com você
e por você! Cada um de nós tem um jeito único e inigualável
de encarnar a vida! Todos somos vencedores e perdedores em algo! A vida
não é linear nem repetitiva: ora se perde, ora se ganha e muitas vezes, nem se
perde nem se ganha! Aprende-se! Desenvolve-se! Compreende-se uma infinidade de
coisas que nem imaginávamos existir ou ser possível!
Então, considere a possibilidade de ir
para dentro de si mesmo e, parafraseando outro gigante da poesia, sente-se à
beira do poço da sua própria sombra e pesque toda luz que possa estar caída aí
dentro de você!
PS: Sugiro a leitura do poema
de Pablo Neruda “Se cada dia cai”. Boa leitura!
Bia Mattos
Psicóloga CRP 06/29269
Colunista: Maria Beatriz da Silva Mattos
Psicoterapeuta, Supervisora Clínica, Orientadora Vocacional, Facilitadora nos Cursos de Pós-graduação em Psicologia Transpessoal da Unipaz São Paulo e Paraná. Autora dos livros Espiritualidade em Psicologia: Psicossíntese, uma Psicologia com Alma e Orientação Vocacional - Uma Proposta Transpessoal.