O próximo Papa e o legado de
Francisco: rumo à continuidade de uma Igreja progressista
Ronaldo
Castilho
Com
a morte do Papa Francisco em 21 de abril de 2025, encerra-se uma das fases mais
marcantes e transformadoras da história recente da Igreja Católica. O
pontificado de Jorge Mario Bergoglio foi uma tentativa corajosa de reconectar a
Igreja com os pobres, com a realidade social e com as periferias do mundo.
Agora, com sua partida, os olhos do mundo se voltam para o conclave que
escolherá o próximo Papa — e tudo indica que a guinada progressista promovida
por Francisco está longe de chegar ao fim.
Os
números falam por si. Dos cardeais com menos de 80 anos — e, portanto, com
direito a voto no conclave — 108 foram nomeados por Francisco, enquanto 22
foram indicados por Bento XVI e apenas 5 por João Paulo II. Isso significa que
cerca de 80% do colégio cardinalício atual foi moldado diretamente pela visão
reformista do papa argentino, o que aumenta significativamente as chances de
seu sucessor seguir a mesma linha pastoral e teológica.
Francisco
plantou sementes de transformação em muitos aspectos: maior atenção às causas
sociais, respeito à diversidade cultural dentro da Igreja, ênfase na
misericórdia mais do que na condenação, e um olhar mais humano sobre temas
sensíveis como a homossexualidade, o papel das mulheres e o diálogo
inter-religioso. Rompeu com a tradição eurocêntrica e levou o centro de
gravidade da Igreja para o Sul global, às periferias existenciais e
geográficas.
Os
principais nomes cogitados para sucedê-lo refletem essa nova identidade e essa
geografia ampliada do catolicismo. Entre os favoritos está o cardeal Matteo
Zuppi, arcebispo de Bolonha, conhecido por seu trabalho com os pobres, sua
defesa dos migrantes e sua postura pastoral acolhedora. O filipino Luis Antonio
Tagle, carismático, próximo ao povo e profundamente envolvido com a
evangelização na Ásia, também desponta como um nome forte. Outro possível
sucessor é o cardeal Jean-Claude Hollerich, de Luxemburgo, conhecido por sua
visão renovadora e abertura ao debate doutrinário.
Na
Cúria Romana, destaca-se o cardeal Pietro Parolin, foi Secretário de Estado do
Vaticano no papado de Francisco, com perfil diplomático e reconhecida
habilidade política. Embora mais moderado, Parolin é visto como alguém que
garantiria a continuidade institucional das reformas iniciadas por Francisco.
A
África também está sob os holofotes. O cardeal Peter Turkson, de Gana, é
respeitado mundialmente por seu envolvimento em temas como justiça social, meio
ambiente e construção da paz — pilares centrais do pontificado franciscano. Dos
Estados Unidos, surgem nomes como o do cardeal Robert McElroy, de San Diego, e
do cardeal Wilton Gregory, de Washington, ambos representantes de uma Igreja
mais aberta, preocupada com as desigualdades, o racismo e os desafios sociais
contemporâneos.
Contudo,
é importante destacar que, mesmo em um cenário claramente progressista, ainda
há espaço para a influência conservadora. Um dos nomes mais emblemáticos dessa
ala é o cardeal Robert Sarah, de Guiné, ex-prefeito da Congregação para o Culto
Divino. Sarah é conhecido por sua defesa intransigente da tradição litúrgica,
da doutrina moral clássica e por sua crítica discreta — porém firme — às
mudanças promovidas por Francisco. Embora sua eleição seja improvável diante da
atual composição do colégio cardinalício, sua presença no radar do conclave
reforça que o conservadorismo ainda encontra eco entre alguns cardeais.
Ainda
assim, com ampla maioria dos eleitores formados sob o espírito de Francisco, a
tendência de continuidade é evidente. A escolha do novo papa não será apenas
uma decisão canônica, mas uma afirmação — ou rejeição — de um projeto de Igreja
mais sinodal, próxima dos pobres e comprometida com os dramas do nosso tempo.
A
morte de Francisco deixa uma lacuna imensa. Ele não foi apenas o primeiro papa
latino-americano, mas também o primeiro jesuíta e o primeiro a escolher o nome
de Francisco — símbolo de humildade, serviço e despojamento. Seu legado vive
nos cardeais que ele nomeou, nas reformas que iniciou e na esperança que
despertou entre aqueles que sonham com uma Igreja mais misericordiosa, menos
autoritária e verdadeiramente ao lado do povo.
O
conclave que se aproxima carrega um peso histórico. O futuro da Igreja está em
jogo. E tudo indica que o caminho traçado por Francisco ainda tem muitos
capítulos pela frente.
Ronaldo
Castilho é jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política com MBA em
Gestão Pública com Ênfase em Cidade Inteligente