Entre
miçangas, linhas e beira de rio
Lá
ia o barco, no remanso, subindo o rio Piracicaba. Alguns de seus ocupantes
revezavam-se nos remos. Paravam próximo à ESALQ e iniciavam a pescaria com
linhada de mão — composta de alça para segurar, de linha, de chumbada e de
anzol. Curimbatás, dourados, piaparas e mandis enchiam os samburás. Com o barco
próximo à margem do rio, logo vinham os insetos, ainda mais no final do dia. Os
homens acendiam cigarros e davam aos meninos — a fumaça espantava os
borrachudos. Assim, subindo e descendo o rio nos finais de semana e nas férias
escolares, com o pai — Sr. Júlio — e os amigos, o pequeno Ademir Alonso, de
sete anos, aprendera a fumar. Morava com a família, no bairro São Dimas, com
ruas de paralelepípedo ou de terra, nos anos 1970, próximo ao Centro Comunitário.
Terminadas as aulas na Escola Honorato Faustino, os meninos saíam à caça de
cupins de asa. Deixavam-nos num copo de vidro para servirem de isca e partiam
para a beira do rio, sempre cheio e caudaloso. Gostavam de pescar no poço em
frente à Casa do Povoador — repleto de lambaris—, de se refrescar pulando do
trampolim do Clube de Regatas e de catar caranguejos, barrigudinhos e guarús no
córrego do Mirante.
Certa
vez, o Sr. Júlio fizera uma oferta ao pequeno Ademir: dar-lhe-ia uma bicicleta
— sonho de qualquer menino — se ele parasse de fumar cigarros. Porém o vício na
nicotina, poderoso, mostrara-lhe, pela primeira vez, a sua face. Frustrado, o
menino entendeu que não ganharia o presente prometido.
Sempre
companheiro do pai, Ademir fora seu colega de trabalho no primeiro emprego,
como plainador, com catorze anos, na Metalúrgica Hidrau, no bairro da Paulista;
mecânico de trator, ajudando na oficina de um vizinho; construtor de gaiolas de
passarinho e, depois, de vassouras de piaçava, na Fábrica Marabá. Na sorveteria
Pingo de Neve, ajudava a embrulhar os picolés e a distribuí-los aos vários
carrinhos espalhados pela cidade. O dinheiro que ganhava, entregava aos pais.
Dona Carmen, a mãe, também ajudava no sustento doméstico bordando lençóis e
colchas para as lojas de artesanato de São Pedro. Ademir entrou na CPFL como
leiturista e entregador de contas de luz e, após terminar o colégio técnico em
eletrônica na UNIMEP, pleiteou o posto de eletricista, em que permaneceu por 29
anos, até se aposentar.
Noutra
ocasião, lá pelos anos 1995, comprou, pelo Correio, um kit que prometia ajudar
a pessoa a parar de fumar. Ele continha uma fita cassete, uma apostila e um
diário. Deu-o ao pai que, aplicado, seguira as instruções e, exitoso, parara de
fumar. O Sr. Júlio costumava zelar pela saúde e seguir as orientações dos
médicos. Durante um mutirão no bairro para a poda e a derrubada de árvores,
sentira-se mal, com fortes dores nas costas — rompera-lhe um aneurisma na aorta
abdominal — e morrera poucos dias depois, aos 59 anos. Havia 7 meses que parara
de fumar.
A
doença cardíaca e o fantasma do tabagismo assustavam Ademir. Temeu por sua vida
quando recebeu o diagnóstico de angina, em 2012. Seguiram-se exames de
cateterismo cardíaco e de angioplastia. Tentara parar de fumar, mas não
conseguira. No início de 2024, enquanto se exercitava na bicicleta ergométrica
da academia, voltou a sentir dor no peito, fraca, e aceitou o socorro na
emergência do hospital, após muita insistência da irmã Ivana. Com a pulseirinha
laranja, fora admitido com prioridade — sofria novo infarto. Na alta, o vício
cobrava o seu preço: saíra do hospital fumando.
Segundo
dados do Instituto Nacional de Câncer (INCA), o tabagismo é responsável por
cerca de 30% das mortes por doenças cardíacas no Brasil. O risco de infarto em
fumantes é três vezes maior em comparação com pessoas que nunca fumaram. Parar
de fumar vale a pena em qualquer momento da vida, mesmo que o fumante já esteja
com alguma doença causada pelo cigarro. A qualidade de vida melhora muito ao
parar de fumar: após 1 ano, o risco de morte por infarto do miocárdio reduz-se
à metade; após 10 anos, tal risco iguala-se ao das pessoas que nunca fumaram.
Decidiu
pedir minha ajuda, apoiado por Ivânia, que fora sua madrinha no tratamento do
tabagismo. Seguiram, à risca, minhas orientações. Distraíam-se com trabalhos
manuais: esteiras de caixas de leite longa vida para doação, terços de bolinhas
de cristal e colmeias organizadoras: trabalhos que Ivânia e Dona Carmen pegam
terceirizados.
Agora,
livre dos cigarros, Ademir curte mais os passeios com o sobrinho Vítor. Não
costumam planejar, mas, ao menos uma vez por semana, saem para apreciar a
comida japonesa na Kanzen ou na Watashi Sushi, o churrasco na Pampeiros Grill
ou para o lanche no Clube do Lanche na Vila Rezende. Adoram visitar as duas
netinhas em Hortolândia e, quando animados, esticam até uma das praias de
Ubatuba.
Juliana
Barbosa Previtalli
é médica cardiologista
idealizadora do projeto antitabagismo
Paradas pro Sucesso