Por Adriana Passari - @adrianapassari
A quase tragédia de aniversário
Naquela semana o Lelê ia completar 10 anos, uma data muito
importante. Acho que a data mais importante de toda vida da família do Lelê. Os
primeiros 10 anos de vida do filho mais amado, o netinho mais mimado e sobrinho
mais paparicado do planeta. Lelê estava uma pilha de ansiedade pela chegada da
festinha mais esperada nos últimos meses pela garotada do quarto ano da escola.
Lelê tinha escolhido celebrar o aniversário na fazenda do vovô. Deu um
trabalhão danado para a mamãe organizar tudo para que os pais de cada
coleguinha autorizasse a ida para o local fora da cidade. Mas tudo foi
arranjado e a festança ia ter diversão e gostosuras para pouco mais de uma
dúzia de crianças. Bolo, brigadeiro, coxinha, cachorro quente, refrigerante.
Chegou o grande dia e a família pulou cedo da cama para pegar o caminho da
roça. O garoto engoliu o café da manhã tão às pressas que chegou a ficar
enjoado. A mãe tentava conter toda essa euforia para não estragar a festa que
ainda nem tinha começado. O microônibus alugado para o transporte da molecada
chegou cinco minutos atrasado, o que só contribuiu para piorar a agitação da
família. Depois de todos embarcados, saíram rumo aos dois pontos da cidade
combinados para buscar os convidados. A partir daí foi só alegria. Na primeira
parada já havia um grande número de colegas esperando entusiasmados, carregando
suas mochilas com uma troca de roupas e agasalho para o fim da tarde que
prometia temperaturas mais baixas. A turma entrou no ônibus e seguiu até o
segundo ponto. Mais convidados embarcaram. Com o transporte lotado seguiram
viagem até o ponto final com destino à folia. As crianças já estavam se
divertindo. Só se ouviam gritos e gargalhadas. Depois de um trecho pela
rodovia, pegaram a estrada de terra já tão conhecida da família. Embalada pelo
veículo que agora sacolejava pelos buracos e pedras do caminho, a molecada
agitou ainda mais. Chegaram em alguns minutos, já que a propriedade não era tão
distante. Quando desembarcaram bem próximos do salão de eventos da sede, tudo
já estava organizado. Uma grande mesa preparada para receber os convidados, uma
outra mesa um pouco menor encostada na parede do fundo toda decorada com balões
pretos e brancos, cores do time de futebol favorito do Lelê, muitos doces
coloridos e o espaço para o bolo que estava na geladeira aguardando a hora do
parabéns.
As crianças jogaram as mochilas no chão do vestiário e saíram correndo para explorar o local e brincar no meio do pomar, do pasto, na cocheira dos cavalos, no galinheiro, até na horta foram xeretar. Vovó era um misto de alegria por ver tanta criança se divertindo e de preocupação com as suas galinhas que estavam assustadas com tanta agitação. Na hora do almoço todos estavam famintos e devoraram os lanches, tomaram sucos e refrigerantes, cantaram parabéns, comeram o bolo que estava lindo e decorado com uma trave de gol e até um bonequinho de goleiro. Também estava delicioso. Foi servido com sorvete. Humm, só de lembrar dá até água na boca. Mas foi depois de tudo isso que a quase tragédia marcou esta história para sempre. Vô Otávio resolveu levar a criançada para um passeio de charrete.
Queria mostrar pra turma toda que a vida no campo era diversão de verdade, bem melhor que os jogos da internet. Como na charrete não cabia todo mundo, ele amarrou na charrete a carriola que usavam para carregar capim seco, sacos de ração e essas coisas de fazenda. Chamou a criançada pra montar no carrinho improvisado e saiu tocando o Cospe Fogo, que era o nome do cavalo que usavam na lida. A mãe do Lelê, quando viu a cena, estava longe e correu, mas não teve tempo de impedir que o velhinho saísse naquela jornada que ela achou tão perigosa. E boca de mãe é santa! Dito e feito.
@marialuziano
O passeio começou bem e seguia bem, até que numa das curvas do caminho tinha uma valeta brava, formada pela erosão e que o condutor não esperava. Cospe Fogo saltou a valeta, deu um tranco na charrete que deu um empinada depois desceu batendo de bico no chão e Vô Otávio se segurou firme para não cair. A carriola que vinha amarrada atrás deu uma guinada para o alto e parecia um tobogã de criança rolando pelo chão de terra. A mulherada que estava na varanda jogando conversa fora e cuidando da cozinha saiu gritando e correndo, já antevendo a desgraça. A mãe do Lê já veio chorando apavorada. Foi um corre corre geral, uma gritaria e era criança pra todo lado. Socorre daqui, socorre dali. Todos estropiados, mas nada sério. A vítima mais grave saiu com um band-aid no queixo e um gelo na testa. A maioria levou de lembrança uns ralados nos joelhos ou cotovelos. A mãe nunca mais quis saber de festa na fazenda. Pegou trauma. Mas para as crianças, foi a festa mais irada da escola naquele ano.
Ouça a história na voz de Adriana Passari: