Por Adriana Passari - @adrianapassari

Vazio

Acordou naquele domingo chuvoso como todos os seres viventes acordam. Vivos. Ao abrir os olhos ainda grudentos, reflexos de um sono profundo e prolongado, tentou avaliar as suas emoções para aquele dia. Sentia-se como mesmo? Ainda não sabia. Talvez neutra. Nem plena, nem feliz ou triste, seria talvez um pouco vazia ou esvaziada de sentimentos? Isso tudo antes mesmo de girar na cama na tentativa de colocar os pés no chão e dar início a mais um dia. Chovia e muito pouco havia a ser feito naquelas condições. Prolongou o processo de deixar o recanto convidativo entre os lençóis e travesseiros.

Estendeu a mão até a mesa de cabeceira e recolheu o primeiro livro ao alcance. Abriu a página com o marcador de livros indicando onde deveria continuar a leitura. Leu algumas páginas, poucas, e o devolveu ao local. Com um pouco mais de esforço esticou ainda mais os braços e alcançou o segundo livro. Leu também algumas poucas páginas e remanejou o marcador mais adiante.

Pegou o terceiro e mais uma vez, percorreu algumas páginas, abandonando-o em seguida. Pronto, já estava garantido seu compromisso literário diário. Obrigou-se a sair da cama para o desjejum sem pressa e sem animação. Venceu alguns obstáculos como encontrar os chinelos embaixo da cama, tropeçar no cachorro já idoso que não escuta e não sai do caminho.

Nada disso alterando seu estado de ânimo, para melhor ou para pior. Seguia neutra. Comeu seu pão com ovos e ainda sentia um vazio. Foi até a dispensa e avistou quase com euforia um pacote de cookies com gotas de chocolate e recheio de chocolate.

Agradeceu mentalmente para ela mesma da semana passada quando se sentiu atraída pela novidade avistada na prateleira do mercado e prontamente adicionada ao carrinho. Deleitou-se com a guloseima e quase esvaziou o pacote sozinha. Novas emoções já eram percebidas. Sentiu-se animada com a traquinagem já que estava deliberadamente sabotando a dieta. Mas o dia ganhou contornos antes obscurecidos pelas nuvens. Parece que seu mal era mesmo fome.

Ouça a história na voz de Adriana Passari: