Médicos não são deuses, são humanos
Ivana Maria França de Negri
Fico muito triste quando as pessoas, irritadas por um mau atendimento médico, generalizam uma classe de profissionais inteira nivelando-a pelos piores parâmetros. Na ideia delas, o médico é uma pessoa sem escrúpulos e gananciosa que só pensa em ganhar dinheiro e não está nem aí com o paciente.
O médico, como qualquer outro profissional, precisa sustentar a família e ganhar o mínimo necessário para sobreviver, mas o atual sistema de saúde o obriga a ter dois ou mais empregos, a dar plantões seguidos para ganhar esse mínimo para uma vida decente.
Médicos vão trabalhar mesmo doentes, com febre, com todos os problemas que qualquer profissional tem. Só que os outros trabalhadores podem se consultar, pedir atestado pela falta por justo motivo. Médico dificilmente tira férias e nem pode ter um final de semana sossegado para brincar com os filhos.
Já foi o tempo em que um médico ganhava muito bem. O sistema de saúde falho é o grande vilão. A demanda de consultas, cirurgias e procedimentos, aumenta a cada dia, mas o número de profissionais contratados continua o mesmo. O médico atende mais do que sua capacidade física pode aguentar e acaba se estressando. Mas médico tem direito de se estressar e de se cansar? O médico é humano como qualquer profissional e não um deus.
Alguém tem ideia de quanto o SUS paga por uma consulta? Por uma cirurgia? Não desmerecendo os médicos veterinários que são profissionais que merecem respeito, numa cirurgia de vesícula num ser humano, que sempre envolve responsabilidade e perícia, o médico ganha menos da metade do que recebe o veterinário numa castração de cachorro. Isso é correto? Nos exames complexos de ultrassom e raio-X, o médico acaba tendo que pagar do próprio bolso para prestar atendimento ao SUS pois tem despesas com filme, contraste, impressão e manutenção de aparelhos sofisticados e adquiridos em dólar. O médico praticamente paga para atender pacientes do SUS.
Plantões aos sábados e domingos comprometem o descanso e lazer (até Deus descansou no sétimo dia) ou mesmo o almoço em família, e continuam sendo chamados até de noite e de madrugada para as emergências, muitas delas desnecessárias. Médico não pode sair, descansar, ninguém se preocupa com a vida dele, todos só querem ser bem atendidos seja em que dia ou horário for. Como mãe, muitas vezes fiquei angustiada ao ver meu filho trabalhar doente e sem poder se alimentar como deveria. E como esposa, também acompanho por décadas a maratona diária e exaustiva do meu marido.
O que muita gente nem fica sabendo, é que pacientes marcam as consultas e depois simplesmente não aparecem, nem dão satisfação. Mas se o médico cancela consultas por justo motivo, seu nome sai em letras garrafais em todos os jornais por negligência. Outros chegam com atraso de mais de uma hora e exigem ser atendidos no horário de quem chegou pontualmente. Se uma pessoa é bem atendida, se o médico deu um jeito de marcar um horário especial para ela, abrindo mão da hora do almoço, ela não se lembra de agradecer, pois acha que é obrigação. Mas ai dele se chegar atrasado!
Sei que existem Médicos e médicos, e como em todas as classes de profissionais, há pessoas de boa ou má índole. O que não se pode é generalizar.
Comemora-se em 18 de outubro o dia desses profissionais que dedicam sua vida a melhorar a vida do próximo, a mitigar suas dores, mas que nem sempre são reconhecidos.
Ivana Maria França de Negri é escritora