Por Adriana Passari - @adrianapassari
O canto da siriema e a surra da Marinalva
Marinalva era a mais recente funcionária contratada do Rancho do Riacho Quente que ficava lá pelos lados das montanhas onde pessoas ricas e bem nascidas escolhiam para passar dias de relaxamento e contemplação. Em poucas semanas de serviço a moça já dava conta do recado muito bem.
Todos estavam contentes com sua dedicação e eficiência. Vinda do interior de Minas Gerais em busca de uma oportunidade de trabalho, ela foi chamada pela prima da sua vizinha que tinha sido sua colega de escola, e que já trabalhava na pousada havia longa data. Marinalva adorava trabalhar naquele lugar tão lindo, cheio de natureza, de coisas e pessoas elegantes.
Ela trabalhava todos os dias cantarolando e sorrindo. O problema de Marinalva começou um certo dia quando ela viu duas aves grandes como ela não se lembrava de ter visto antes. Eram maiores do que um galo daqueles de raça bojuda que viviam lá nos sítios de onde ela vinha.
Ela foi atrás daquelas aves tão interessantes e ficou observando quando elas começaram a emitir sons cadenciados agudos bem altos. Quando as aves silenciaram ela ouviu ao longe o mesmo canto, pelo menos muito parecido, como se um outro par de aves cantassem em resposta. Ela ficou ali parada por longos minutos encantada com as aves se comunicando. Depois de um tempo se lembrou da sua obrigação e retomou o trabalho. Até aqui estava tudo bem. Cerca de dois dias depois Marinalva estava envolvida em seus afazeres quando a coordenadora da equipe mandou que ela arrumasse todos os observatórios da pousada que ficavam de frente ao pôr do sol da montanha.
Um lugar lindo lindo de se ver. E lá foi ela com seus baldes e vassouras cumprir com sua tarefa. Tarefa dada era tarefa cumprida. Ao chegar perto de um dos principais observatórios daquele ponto da montanha, Marinalva deu de frente com o par de siriemas (que eram
aquelas aves que ela antes não sabia o nome). Só que desta vez as belas aves estavam bem no meio do observatório que ela precisava faxinar. Confiante na simpatia das aves ela foi logo entrando e enxotando as aves para fazer o seu trabalho.
O que ela não esperava e não soube como lidar foi o ataque intensivo das aves que partiram pra cima da moça com bicadas e arranhões com suas garrinhas. Determinadas a defender seu território, as siriemas só interromperam o ataque quando duas outras funcionárias correram em seu socorro ostentando ameaçadoras os cabos das vassouras que carregavam. Ao se verem em menor número as penosas se afastaram deixando uma chorosa e machucada Marinalva para trás. Seu Ezequiel, o gerente, pegou o carro oficial da pousada e tratou de levar a moça para a unidade de saúde do município. E lá ela ficou de molho por dois dias em observação para tratar das feridas inflamadas. Sete dias mais tarde, ainda marcada com as cicatrizes da peleja a pobre voltou ao batente. Aos poucos e timidamente foi retomando a alegria e a cantoria. As siriemas ainda moravam por lá, mas a pousada agora tinha plaquinhas espalhadas orientando os turistas para respeitar o espaço das aves e não se aproximar. E a paz voltou a reinar.
Ouça a história na voz da Adriana Passari: