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Coluna: Adriana Passari fazendo histórias - 11-07-2025

Publicada em: 11/07/2025 08:09 - Colunas Adriana Passari fazendo histórias

Por Adriana Passari - @adrianapassari

 

Cortinas do tempo

 

Eu gosto de despertar com a claridade de uma manhã ensolarada a me surpreender pela janela. Eu nunca fecho as cortinas. Elas estão acumulando poeira, recostadas no canto da parede, praticamente inúteis. Eu me lembro de um tempo em que elas foram usadas.

Cobrindo a parede, do teto ao chão, elas davam um ar de luxo ao dormitório principal da mansão com seu tecido fino, brilhante, ligeiramente transparente, que impediam a luz do sol de invadir o ambiente nos primeiros horários ao amanhecer do dia.

Este quarto guarda memórias que as vezes eu gosto de visitar, mas na maior parte do tempo, não. Elas doem. Eu não gosto da dor. Eu não procuro a dor. Mas muitas vezes ela traiçoeiramente se embrenha por baixo do vão da porta e rasteja disfarçada feito poeira e me alcança. Eu nunca sei quando ela vai chegar. Nesta manhã, sem qualquer aviso ou sintoma prévio, ela me atinge como um choque.

Avalio as trincheiras do meu pensamento buscando o rastro de sua invasão insolente e percebo que foi bem ali, naquele canto, onde meus olhos pousaram, atraídos por uma fieira de luminosidade do dia, que ela despertou das profundezas. Não tem mais jeito. As lágrimas agora banham abundantemente as telas do meu pensamento e quase molham as cortinas no meu arquivo agridoce de dores represadas.

Imagem criada por IA

 

Lá estou eu, ao lado dela, brincando de esconder, rindo. Um sorriso que me persegue, desde aquele tempo, que não pode voltar mais. Nunca voltou e nem voltará. Com um gesto de desespero penso em arrancar as cortinas, agarro as beiradas do tecido desgastado pelo tempo e quase completo meu intento. Fecho os olhos. Enxugo as lágrimas e sigo sem olhar para trás.

 

Ouça a história na voz de Adriana Passari:

 

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