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Coluna: "Entre Aspas" com Ronaldo Castilho

Publicada em: 16/06/2025 09:43 - Colunas

Consolidar a Democracia é Fortalecer a Sociedade Civil

Ronaldo Castilho

 

A consolidação da democracia exige mais do que instituições sólidas e leis bem elaboradas; ela depende da ação concreta de uma sociedade civil ativa, consciente e mobilizada. A sociedade civil funciona como um contrapeso ao poder estatal, oferecendo um espaço em que os cidadãos podem se organizar, expressar suas demandas e reivindicar direitos. O filósofo francês Jean-Jacques Rousseau já indicava, no século XVIII, que a vontade geral só poderia emergir da participação direta do povo nos assuntos públicos, reforçando a ideia de que a democracia não deve ser delegada inteiramente às elites políticas. Nesse sentido, a atuação da sociedade civil é imprescindível para que a democracia não se limite à forma, mas alcance a substância: a inclusão real dos diversos setores da população nas decisões que moldam sua vida.

Antonio Gramsci, pensador marxista italiano, também oferece uma visão fundamental sobre o papel da sociedade civil na disputa por hegemonia. Para ele, a sociedade civil é um campo de batalha ideológico onde se constrói o consenso que sustenta o poder político. Assim, as organizações civis têm um papel estratégico na formação da consciência crítica dos cidadãos, na difusão de valores democráticos e na resistência a projetos autoritários. Quando movimentos sociais, sindicatos, coletivos culturais ou entidades religiosas disputam narrativas e constroem alternativas, estão, na prática, ampliando o escopo da democracia. Essa disputa por hegemonia cultural e política é o que torna a democracia um projeto vivo, em constante transformação.

O sociólogo Manuel Castells contribui com outra dimensão importante ao destacar o papel das redes sociais e da comunicação digital como novo espaço da sociedade civil. Para ele, os movimentos sociais contemporâneos se organizam em rede e conseguem mobilizar milhões de pessoas em torno de causas como justiça social, combate ao racismo, igualdade de gênero e preservação ambiental. Esses movimentos, ainda que muitas vezes não tenham uma estrutura formal, exercem forte pressão sobre os governos e criam uma nova gramática política baseada na horizontalidade, na conexão e na velocidade da informação. Portanto, a sociedade civil digital não substitui a tradicional, mas amplia seu alcance e potencializa seu impacto na consolidação democrática.

Outro pensador relevante é Robert Putnam, que analisa o declínio da participação cívica em sociedades ocidentais e seus efeitos negativos sobre a democracia. Em sua obra “Bowling Alone”, ele argumenta que o enfraquecimento dos laços comunitários e da confiança mútua — aquilo que ele chama de “capital social” — compromete a qualidade das instituições democráticas. Para Putnam, a sociedade civil deve ser fortalecida por meio de políticas públicas que incentivem o associativismo, o voluntariado e o engajamento comunitário. Sem esse tecido social ativo, a democracia se torna frágil, vulnerável ao populismo e à apatia política.

A presença constante e ativa da sociedade civil não apenas fortalece os mecanismos democráticos, mas também atua como um antídoto contra os abusos de poder, a corrupção e a exclusão social. Quando o Estado falha em garantir direitos ou quando as instituições democráticas se mostram ineficientes ou distantes do povo, é a sociedade civil que assume a linha de frente na defesa da dignidade humana e da justiça social. No Brasil, essa atuação foi essencial no processo de redemocratização após o período da ditadura militar, quando movimentos populares, entidades de classe, pastorais sociais e organizações de direitos humanos exerceram papel decisivo na retomada das liberdades, na construção da Constituição de 1988 e na formação de uma nova cultura política. Esse processo histórico reforça que a democracia brasileira, apesar de jovem e ainda cheia de desafios, deve muito de sua existência à mobilização da sociedade civil.

Além disso, Amartya Sen, economista e filósofo indiano, argumenta que a democracia não deve ser avaliada apenas por seus procedimentos eleitorais, mas também pela sua capacidade de promover liberdades reais e ampliar as oportunidades de desenvolvimento humano. Para Sen, a participação ativa da sociedade civil é crucial para denunciar injustiças, influenciar políticas públicas e garantir que o Estado seja sensível às necessidades da população. Ele sustenta que nenhum país com uma sociedade civil forte e uma imprensa livre sofreu grandes fomes ou desastres sociais prolongados, justamente porque a pressão pública força os governos a agir. Essa perspectiva reforça que a democracia se concretiza não apenas pelo voto, mas pela escuta, pelo diálogo e pela atuação conjunta entre Estado e sociedade.

No entanto, é preciso reconhecer que a sociedade civil também enfrenta riscos e contradições. Em algumas situações, ela pode ser cooptada por interesses corporativos ou partidários, esvaziando seu potencial crítico e transformador. Por isso, a autonomia, a transparência e o compromisso ético são valores fundamentais para que a sociedade civil cumpra seu papel com legitimidade. Além disso, o financiamento de suas ações, a formação política de seus membros e a articulação em redes são desafios constantes, especialmente em contextos de restrição democrática ou de criminalização dos movimentos sociais. Ainda assim, a história mostra que, mesmo diante das maiores adversidades, a sociedade civil sempre encontra caminhos de resistência e reinvenção, mantendo viva a chama da democracia.

Assim, a consolidação da democracia depende de uma sociedade civil forte, plural e engajada. Ela é o espaço onde nascem as demandas populares, se constroem alternativas e se pressiona o poder público por mudanças reais. Os pensadores aqui citados, com suas diferentes abordagens, convergem na ideia de que não há democracia sólida sem a participação constante dos cidadãos. Mais do que votar a cada quatro anos, é necessário ocupar os espaços públicos, formar opinião, dialogar, fiscalizar e propor. É nessa interação entre sociedade e Estado que a democracia se realiza plenamente — não como um ideal abstrato, mas como prática viva, concreta e transformadora.

Por fim, Hannah Arendt ressalta que a ação política autêntica nasce do encontro entre os cidadãos no espaço público, onde podem debater, discordar e construir consensos. Para ela, o verdadeiro poder democrático surge da pluralidade e da deliberação coletiva. A sociedade civil, nesse contexto, não é apenas um conjunto de organizações, mas a própria expressão da liberdade humana em sua forma mais elevada: a capacidade de agir em conjunto com os outros para transformar o mundo. Assim, consolidar a democracia exige proteger e valorizar os espaços de participação da sociedade civil, seja em conselhos populares, fóruns de debate, manifestações de rua ou ambientes digitais. Afinal, uma democracia viva é aquela em que o povo não apenas escolhe seus representantes, mas também participa ativamente da construção do bem comum.

Ronaldo Castilho é jornalista, bacharel em Teologia e Ciência Política, com MBA em Gestão Pública com Ênfase em Cidades Inteligentes e pós-graduação em Jornalismo Digital.

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