Cecílio,
jovem adulto
Encontrava-se diante de um problema. O jovem professor
universitário Cecílio Elias Netto, entre os anos de 1960 e 1970, mesmo já tendo
palestrado nas faculdades de Piracicaba, como a UNIMEP — Universidade Metodista
de Piracicaba — e a de Odontologia, em colégios particulares e em várias
associações e entidades culturais, não queria perder a oportunidade de se fazer
conhecer na vizinha São Carlos. O convite para palestrar nas disciplinas de
Sociologia, de Política e de Comunicação, numa igreja naquela cidade, lhe
traria prestígio e notoriedade.
Fumante de quatro maços de cigarros por dia, deixava
cinzeiros espalhados pela casa, com quatro ou cinco cigarros acesos ao mesmo
tempo. Com elevado grau de dependência, acordava, de madrugada, no meio da
noite, para fumar.
Cecílio cursou jornalismo na UNIMEP, onde também se
formou bacharel em Direito. Muito católico, presidiu, por vinte e sete anos, o
Movimento do Cursilho de Cristandade de Piracicaba, movimento eclesial que
possibilita a vivência da fé cristã. O falecido bispo piracicabano Dom Aniger,
seu pai espiritual, inspirou-o na evangelização de homens e de mulheres,
sobretudo de casais que se reuniam por dois ou três dias no Seminário
Diocesano.
Cecílio, professor, cristão e tabagista, queria desistir
da palestra em São Carlos. Não conseguiria suportar os sessenta minutos dentro
da igreja sem fumar. Na última hora, tivera uma ideia: pediu que tirassem, do
altar, o Santíssimo Sacramento e o guardassem na sacristia. Assim, ensinou e
brindou a plateia, animadamente, enquanto fumava, um após o outro, sem culpa,
seus cigarros.
Exercia a atividade jornalística com afinco e tecia
críticas ácidas às instituições e a quem julgasse incorreto e incoerente.
Cultivava, assim, admiradores e, também, desafetos. Tanto que, ao longo de sua
carreira, chegou a ter 42 processos judiciais contra ele, devido à Lei de
Imprensa — criada em 1967, durante a ditadura militar, previa mecanismos, como
a censura e a apreensão de publicações. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal
revogou-a. Ficara sob prisão domiciliar por dois anos e dois meses até receber
um sursis (suspensão condicional da pena privativa de liberdade). Isso
porque, certa vez, denunciara as atividades ilícitas que ocorriam, no Jardim
Brasil, numa casa de tolerância comandada por Rute, que explorava meninas
menores de idade. A meretriz, poderosa e amparada pelo renomado advogado Doutor
Jacob Diehl Netto, processou-o e fez, de sua vida, um inferno, tirando-lhe o
sono. Só voltou a ter paz quando, derrotado, escrevera um artigo no jornal
“dando mão à palmatória” e Rute retirou a queixa, encerrando o processo.
Cecílio possui cerca de trinta livros publicados e,
quando se assoberbava dos afazeres na edição do jornal O Diário de
Piracicaba e desejava escrever, isolava-se.
Rumou à pacata praia de Camburi, no litoral norte de São Paulo e lá se
hospedou, numa pensão simples em meio à natureza, escrevendo e fumando. Ao
final de doze dias, tinha, nas mãos, o manuscrito de “Miserere Mei, Amor”.
Um estudo publicado no Jornal Brasileiro de
Psiquiatria revelou algumas variáveis associadas ao fracasso num programa
de cessação do tabagismo: indivíduos jovens; menor tempo de tabagismo; grande
número de cigarros consumidos por dia, menor grau de motivação e alto nível de
ansiedade. Considera-se a motivação como a pedra angular entre o sucesso e o
fracasso dos fumantes e define-se como um estado interno, consciente ou
inconsciente, que incentiva o indivíduo para o ato.
Os perigos do tabagismo assombravam Cecílio. Começava a
ver conhecidos e amigos sucumbirem pelo vício no tabaco. Desejava parar de
fumar, mas não tentava, pois sabia que, certamente, fracassaria e temia a
derrota.
Juliana
Previtalli é médica cardiologista e idealizadora do projeto antitabagismo
Paradas pro Sucesso