Por Adriana Passari - @adrianapassari

Valorização da vida

 

Era uma moça jovem, bonita, batalhadora, idealista e dona do mundo. Buscou no serviço de apoio à vida e prevenção ao suicídio uma forma de contribuir para um mundo melhor. Diariamente ela se dirigia à sede do centro onde esperava com uma segurança absoluta para dar as respostas certas aos mais necessitados, infelizes em seu momento de desespero. Para isso foi treinada e capacitada. Dois meses participando de cursos, palestras e entrevistas com psicólogos tão desprendidos e voluntários como ela.

A rotina do serviço era a mesma, passava cerca de duas a três horas por noite de plantão atendendo alguns poucos, mas importantes telefonemas. Tem momentos na vida que é preciso estar lá para alguém. Simples assim. Alguém vai ligar e alguém tem que atender. Esse é o ciclo. Um sem número de vidas podem ter sido salvas assim.

Com o passar do tempo ela já conhecia o mecanismo humano da autodefesa. Sabia que fim de semana, feriados e principalmente festas de fim de ano eram especialmente dolorosos para as pessoas, que fragilizadas ocupavam as linhas do serviço.

Nada, porém, a preparou para um encontro que viria num dia fatídico. Era um daqueles dias, ou melhor, era uma daquelas noites fadadas ao marasmo, quando pouco ou nada acontecia. Seu colega de turno, entediado, saiu para dar um pulinho na loja de conveniências ali perto, para comprar um cigarro, umas guloseimas, coisas à toa. Estava sozinha. Ela ouviu a campainha tocar, levantou-se num sobressalto, estava mais habituada ao triiiiim do telefone. Foi atender. Três homens. Cada qual com sua história de vida, tentando dar o melhor de si.


@erasmocartunista

Dois deles vestiam farda e o terceiro tinha sinais visíveis de ferimentos que ela não compreendeu de imediato. Pediram para entrar, precisavam de ajuda. Mandou entrar. Lá dentro, a revelação. O jovem, desesperançoso atirou-se do terceiro andar de um edifício, tentando dar um fim às suas dores e angústias, só conseguiu ampliá-las. Os policiais, cuidadosos, depois do pronto-socorro, buscaram ajuda no único lugar que conheciam e que estaria disponível àquela hora. Ele se sentou e os policiais se retiraram. Ela sentou-se defronte a ele e simplesmente não tinha palavras. Nem ele. Só lágrimas. De um e de outro.

Quantos minutos passaram só os homens de farda devem saber. Tão longos para quem espera, tão poucos para quem precisa. Ao ouvir as batidas na porta souberam que o tempo já havia acabado. Tudo o que disseram um ao outro foi nada. Nem perguntas, nem respostas. Apenas o que as lágrimas podiam dizer. Ele saiu de lá acompanhado pelos policiais.

Ainda tinha os olhos molhados, ela também. Ele nunca mais voltou, ela também. A última e mais importante imagem que ela se recorda, com emoção, é do gesto com a cabeça que o rapaz, que ela nem sabia o nome, fez. Um sinal de agradecimento.

Ouça na voz de Adriana Passari a história da semana:

 


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