Por Adriana Passari - @adrianapassari

 

A moça da Catedral

 

O vestido era preto e os cabelos eram longos e ondulados. Balançavam ao sabor do vento emprestando àquela admirável figura um ar um tanto brejeiro, meio selvagem. O vestido também ondeava nas curvas sutilmente reveladas em passos sinuosos e naturalmente sensuais. Em frente à Catedral, bem no centro da pacata cidadezinha, atravessando a praça, ela desfilou numa tarde nem fria nem quente, parece até que tinha chovido mais cedo. Não naquela hora, naquela hora a temperatura parecia perfeita.

O taxista que ficava no ponto bem do lado da igreja ficou estático, enfeitiçado, assistindo à cena. Definitivamente não era todo dia que se via tão bela figura naquelas bandas.

O hippie da feirinha de artesanato abandonou o ar de “tô nem aí” e pareceu hipnotizado durante aqueles minutos. Só foi interrompido do transe porque duas senhoras insistiam em perguntar o preço de uns brincos feitos de miçangas e aproveitaram para censurar, com olhares críticos, aquele rapaz tão desleixado.

Duas mocinhas que estavam na lojinha em frente à praça pareciam mordidas de inveja, nem de longe poderiam se comparar com aquele frescor da manhã que transbordava da moça de preto, como se tivesse saído de um campo de flores, passeando sobre concreto, em cima de um salto, como quem flutua sobre campos de algodão. 

@ericosanjuan

O cenário era perfeito, o público estava lá, pronto para aplaudir o espetáculo, não como se fosse teatro que se aplaude entusiasticamente com as mãos, mas para aplaudir sim com os olhos, com a alma. 

A pobre da moça, porém, tropeçou ao chegar à calçada. Estatelou no chão. Esbravejou, gritou todo tipo de palavrões inadequados para as matinês. Levantou. Nem tomou conhecimento da plateia e seguiu pisando duro e chutando lata. Desfez o encanto. Cada qual seguiu seu rumo. Se pensar bem, o dia nem estava assim tão iluminado. Parecia até que ia chover de novo...


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