Pela milionésima vez só naquela
noite, ela se virou na cama. Agarrou o travesseiro que usava para apoiar os
seios e girou para o outro lado, posicionando-o novamente entre seus braços,
encaixando o outro travesseiro entre as pernas para manter a coluna equilibrada
e evitar a dor nas costas. Concentrou-se na respiração. Inspirava
profundamente, expirava lentamente… em vão, mais uma tentativa de buscar o sono
que a havia abandonado horas atrás. Não ousava olhar para o celular para
consultar as horas. Temia estar próxima da hora do despertar sem ao menos ter
conseguido completar um par de horas dormidas. Tentou não fixar o olhar no
relógio do aparelho quando finalmente o pegou para digitar algumas palavras de
inspiração que lhe ocorreram. Digitou. Colocou-o de volta no criado mudo ao
lado da cama, onde poderia alcançar dali a algum tempo para desativar o
despertador quando a hora de acordar chegasse. Esperava que faltasse muito.
Ajeitou-se sob o cobertor, um novo giro pro lado, e finalmente conseguiu
dormir… se foram minutos ou horas, não sabia. Ao acordar, o primeiro gesto foi
em direção ao celular. Surpreendeu-se ao ler o texto que a inspiração da
madrugada produziu:
Uma noite mal dormida
Mas bem Acompanhada
de pensamentos em você
Bem-vinda insônia que me traz a
sua companhia
Levantou-se disposta, apesar de
tudo. Tinha um sorriso no rosto enquanto fazia seus cuidados diários com a pele
e colocava a maquiagem discreta para o dia de trabalho. Teve dificuldade para
escolher a roupa. Esse era o momento que mais determinava se ela ia chegar mais
cedo ou mais tarde ao trabalho. Por que as mulheres tinham que viver esse drama
todos os dias? Calça comprida ou saia? Salto alto ou baixo? Toda de preto, de
branco ou colorida? Optou por uma calça jeans. A opção mais óbvia para a
maioria, não era a sua preferida. Mas a fazia parecer mais jovem. Escolheu uma
camisa de cor clara, bota de salto baixo, brinco, colar de prata e seu
inseparável batom vermelho.
Olhou no espelho e ficou
satisfeita. Como sempre ficava. Uns dias mais, outros menos, mas era uma mulher
com uma auto estima bem resolvida. Saiu de casa em silêncio, como todos os
dias. Ao passar pela câmera de segurança do condomínio fez questão de alargar o
sorriso como quem posa para uma foto em rede social. Se esta for a minha última
imagem registrada será a de uma mulher feliz, pensou ela.
O dia estava morno e sem vento,
quase sufocante. Concentra, respira, ainda tinha que dar conta de vencer as
horas do expediente. Gostava do seu trabalho.
Foge comigo? Disse uma mensagem
no seu celular. Ela reage prontamente, abre o sorriso, desbloqueia o aparelho e
para pensando numa resposta. Estimula a brincadeira ou corta logo o gracejo e
impõe seriedade ao amigo que vez em quando flerta com o perigo? Admite que seu
ego se alimenta fartamente do momento. Deixa o aparelho de lado e volta a se
concentrar no trabalho. Um novo sinal sonoro indica uma nova mensagem. Sorri
esperando uma nova cantada, mas se decepciona com um alegre boa tarde do grupo
de estudos do curso de quinta à noite. Resolve responder o galanteio. Só se for
pra Paris!! Dois traços azuis rapidamente indicam que a mensagem foi lida. Vou
ali roubar um Banco e já volto com as passagens!!
Ela ri sozinha e disfarça para
não revelar a fonte do seu divertimento. Conclui a conversa com uma série de
Kkkkkk. Volta para a leitura dos textos que precisa terminar antes das 16h. As
brincadeiras faziam o dia ganhar leveza e tempero.
Pensou na sua casa. O jardim precisa de cuidados. Faz uma anotação mental para lembrar de organizar a pequena horta no fim de semana.
Adriana Passari fazendo histórias: