As Primeiras Escolas de Medicina do Brasil
No século XVII, os Hospitais da Companhia de Jesus no Brasil foram um importante espaço de estudo das artes de cura, comparável à Universidade de Évora, em Portugal. Com a expulsão dos jesuítas, em 1759, os hospitais militares e os da Misericórdia se tornaram igualmente centros de ensino de cirurgia, onde destacadas figuras receberam as primeiras noções desta arte, como José Soares de Castro, Manuel José Estrela e José Correia Picanço.
A instalação das primeiras escolas de ensino médico e cirúrgico no Brasil ocorreram justamente nesses hospitais militares da Bahia e do Rio de Janeiro pelo Príncipe Regente Dom João VI em 1808
A Escola de Cirurgia da Bahia tinha por atribuição “a instrução dos que se destinam ao exercício desta arte”, e sua criação pode ser vista como parte do processo de institucionalização da medicina no Brasil, iniciado com a vinda da família real e complementado pela criação da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro.
Estes dois cursos de medicina e cirurgia foram as primeiras escolas de ensino superior do Brasil, visto que este tipo de instituição era até então proibido na colônia, e logo foram seguidos por outros estabelecimentos, como a Academia dos Guardas-Marinhas (1808), a Academia Real Militar (1810) e a Academia de Artilharia e Fortificações (1810).
Ao longo do período colonial, o cuidado com a saúde foi uma atribuição partilhada por diversos agentes de cura, como cirurgiões, físicos, sangradores, barbeiros, parteiras e seus aprendizes. A prática da medicina esteve também a cargo da assistência prestada nas enfermarias jesuíticas, nos hospitais da Misericórdia e nos hospitais militares, que, na maioria das vezes, constituíam a única fonte de assistência médica e fornecimento de medicamentos.
A preparação desses curadores era diversa. No caso dos físicos, era necessário cursar uma universidade europeia, sendo o curso de Coimbra o mais procurado pelos oriundos da colônia portuguesa. Os cirurgiões formavam-se na prática, geralmente tornando-se ajudantes de um mestre-cirurgião habilitado ou ingressando em um hospital onde se fizesse ou ensinasse cirurgia, sendo necessário submeter-se a exames junto às autoridades sanitárias para obter licença para a prática do ofício.
Em 1808, foram nomeados o cirurgião Manoel José Estrela para a cadeira de cirurgia especulativa e prática, e o cirurgião José Soares de Castro para a disciplina de anatomia e operações cirúrgicas. Segundo as instruções recebidas por Manoel José Estrela, transmitidas pelo cirurgião-mor do Reino, José Correia Picanço, os alunos da Escola de Cirurgia deviam ter conhecimento da língua francesa, e o curso teria duração de quatro anos. Quando concluído, seriam passadas as certidões competentes, declarando o aluno apto a fazer o exame. Inicialmente, os cirurgiões dependiam, para exercer o ofício, de aprovação e licença concedidas pelo cirurgião-mor do Reino, sendo que esta condição durou apenas até 1826
A carta régia de 29 de dezembro de 1815 colocou em execução na Escola da Bahia o plano de estudos de cirurgia, aprovado em 1813, para a Escola Anatômico-Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro. Elaborado por Manoel Luiz Álvares de Carvalho, diretor da Escola Anatômico-Cirúrgica, o plano promoveu a primeira reforma do ensino cirúrgico do Rio de Janeiro, aumentando a sua duração para cinco anos e transferindo suas aulas do Hospital Militar para a Santa Casa de Misericórdia, na praia de Santa Luzia, além de prever o estabelecimento de uma academia médico-cirúrgica no Maranhão.
Da mesma forma, a carta régia que implementava o plano dos estudos de cirurgia na Bahia reconhecia serem limitados “os princípios que se adquirem pelas lições das matérias próprias das duas cadeiras estabelecidas”, dispondo que estava criado um curso completo de cirurgia. Ampliadas as suas funções, a Escola de Cirurgia começou a funcionar em 17 de março de 1816, no Hospital da Santa Casa de Misericórdia. O curso estruturava-se da seguinte forma:
1º ano: anatomia geral, química, farmacêutica, matéria médica e cirúrgica, e suas aplicações;
2º ano: anatomia e fisiologia;
3º ano: higiene, etiologia, patologia e terapêutica;
4º ano: instruções cirúrgicas e operações, e lições e práticas de obstetrícia;
5ºano: prática de medicina, lições do quarto ano e obstetrícia.
Os estudantes que soubessem latim ou geometria poderiam matricular-se no segundo ano do curso. Após a conclusão, os alunos aprovados poderiam obter a Carta de Cirurgia, e os que quisessem frequentar novamente o quarto e o quinto ano, e prestassem todos os exames com distinção, receberiam a graduação de formados em cirurgia. Com isso, poderiam obter preferência em nomeações e empregos, além de estarem habilitados a curar todas as enfermidades nos locais onde não houvesse médicos e serem membros do Colégio Cirúrgico, podendo também candidatar-se às cadeiras dos cursos cirúrgicos onde fossem estabelecidos.
Júnior Sá
Colunista e Historiador