A escola:
aprendizado da coletividade, oposta ao individualismo do homeschooling
*Eliana Teixeira
A educação de
qualidade é garantia de redução das desigualdades sociais. Prevista como
direito de todos, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos
proclamada pela ONU (Organização das Nações Unidas), na prática a educação não
é acessada por todas as pessoas, principalmente, pelas que pertencem a classes
sociais menos favorecidas. No Brasil, especificamente, embora o ECA (Estatuto
da Criança e do Adolescente) tenha conseguido após sua implementação reduzir o
número de abandono – que ocorre quando um estudante não conclui o ano letivo - e
evasão escolar - quando o aluno termina o ano letivo mas não retorna à escola
no ano seguinte, esse problema ainda persiste e se agravou com a pandemia de
Covid-19, assim como os prejuízos na aprendizagem dos alunos que ficaram
durante o isolamento social longe das salas de aulas, tendo que acompanhar – os
que tinham acesso à internet - remotamente os conteúdos escolares.
Diante de um
cenário educacional excludente, discutir homeschooling – educação domiciliar -,
cujo Projeto de Lei foi aprovado pela Câmara dos Deputados no último dia 19 de
maio, no mínimo parece ser fora de propósito, quando paramos para avaliar os
dados que apontam para uma realidade preocupante da educação no País. Segundo o
Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira),
a taxa de abandono escolar no ensino médio na rede pública mais do que dobrou
no ano passado. O Inep aponta que em 2020, o percentual de estudantes que
abandonaram instituições foi de 2,3%, enquanto em 2021, a taxa foi de 5,6%. Já
no ensino fundamental, a taxa de abandono escolar subiu de 1%, em 2020, para
1,2%, em 2021. Ao contrário da rede pública, a particular de ensino não
apresentou elevação.
Os dados
apresentados pelo Inep, fazem parte dos resultados da segunda etapa do Censo
Escolar da Educação Básica 2021. Esses dados apontam que a região Norte do Brasil
foi a que mais sofreu com o abandono dos alunos. Nessa região, os estados
acumularam uma taxa de 10,1% de abandono no ensino médio, contra um índice de
5% em todo o Brasil. Já no ensino fundamental, o percentual de abandono na
região Norte foi de 2,5%.
Além do abandono e
evasão escolares, o Inep também divulgou dados referentes à redução da taxa de
aprovação na rede pública em todas as etapas de ensino em comparação com o ano
de 2020. O Censo Escolar mostra que a taxa de aprovação de foi de 98,9% nos
anos iniciais do ensino fundamental - 1º ao 5º ano - na rede pública. Já em
2021, esse percentual caiu para 97,6%. Considerando os últimos 5 anos, essa foi
a primeira vez que houve queda.
Os anos finais do
fundamental, segundo o Censo, também tiveram quedas nos índices de aprovações.
Em 2020, a taxa de aprovação foi de 97,8% e em 2021, foi de 95,7%. As taxas de
reprovação nessa etapa também aumentaram, passando de 0,8% para 2%.
No ensino médio,
os resultados também causam preocupação, com queda na taxa de aprovação de 95%
para 90,8% em relação ao ano de 2020. Isso refletiu no índice de reprovação: em
2021, a taxa no ensino médio foi de 4,2%, um aumento de 1,5 ponto percentual em
comparação com 2020.
Os dados
estatísticos apontam para a necessidade urgente de se repensar a educação
durante e no período pós-pandêmico, com implementação de ações eficazes para
alunos dos ensinos fundamental e médio da rede pública possam estar de fato num
processo educacional que os coloque em nível, pelo menos, assimilação do
aprendizado e redução a reprovação, para que possam dar sequência aos estudos e
ter melhores oportunidades profissionais.
Fora os dados
divulgados pelo Inep, quem acompanha os noticiários ou vive a realidade do dia
a dia nas escolas, sabe que o distanciamento das salas de aulas causado pelo
isolamento social durante a pandemia, prejudicou e muito o relacionamento
interpessoal de crianças e adolescentes, ao ponto de terem extrema dificuldade
para o convívio pacífico na comunidade escolar onde estão inseridos. Diante
disso, fica a pergunta: estudo domiciliar é bom para quem? Para aqueles que
detém o poder econômico?
A escola, enquanto
instituição educacional e democrática, é o ambiente onde crianças devem ser
educadas de forma crítica para que possam ter seu espaço na sociedade,
tornando-se jovens e adultos capazes de exercer sua cidadania, com
possibilidades de irem além de onde vivem ou nasceram, no que se refere a
conquistas e melhorias sociais. É na comunidade escolar, não no individualismo
do homeschooling, que se promove a diversidade, se constroem valores coletivos,
se ensina a equidade e a cidadania.
Especialistas
sobre o assunto avaliam que o homeschooling – o texto do projeto segue para o
Senado e, se aprovado, depende da sanção do presidente da República - representa
um risco à garantia do direito fundamental à educação. Um dos maiores
pensadores brasileiros, o educador e geógrafo Milton Santos, no livro O Espaço do
Cidadão, destaca: “quando se confundem cidadãos e consumidor, a educação, a
moradia, a saúde, o lazer aparecem como conquistas pessoais e não como direitos
sociais”.
*Eliana Teixeira é
pós-graduada em Gestão de Pessoas, jornalista e editora da revista digital O
Canal da Lili: www.ocanaldalili.com.br